terça-feira, 4 de setembro de 2012

Tecnologia a serviço da terceirização do pensamento



Por vezes tenho a impressão de que as constantes inovações do mercado tecnológico não só agem no mundo externo, como também penetram e fincam seus transistores e cabos no domínio interior do homem, estimulando uma crescente terceirização da nossa mente. Ontem quando estava passando em frente a uma dessas lojas da Claro, fui surpreendida com rapaz cheirando a Wi-Fi. Lá estava ele, quase uma etiqueta publicitária, todo equipado com a mais alta tecnologia, com um relógio ultramoderno que poderia ser do Batman, dois celulares em cada bolso conectando o seu traseiro ao mundo e ainda um tablet com seus ectoplasmas girando na mão. Digo que não fiquei surpresa com sua fantasia de vitrine, mas sim com uma simples coisa na qual ele me disse.

Todo brincalhão e vendido, ele me mostrou seus brinquedos inovadores, falava de megapixels, lentes carlzeiss, resolução HD, 3G, 3D, wi-fi, face, twitter, wap, ultrabook, blogs, acesso rápido a vídeos no youtube e mil e uma tecnologias que nunca ouvi falar e nem poderia me lembrar. Derrepente, quando ele de cor declamava a importância de se ter um celular como aquele, de saber a todo o momento o que estava se passando no país e no mundo com sua rápida net, um dos seus celulares começou a tocar. Ele pareceu não reconhecer o número, mas estranhando atendeu mesmo assim.
Surpreso reconheceu alegre a sua mãe, e em instantes desligou falando que ligava mais tarde, pois estava com “cliente”. Nisso ele me falou sorridente “minha mãe tem o mesmo número há dez anos, mas toda vez que mudo de celular, fico perdido sem minha agenda. Mal saberia ligar para minha namorada se não tivesse um desses”, disse ele apontando para o bolso.

Sem querer perder mais tempo, me despedi e segui meu caminho pensando um pouco nessa infeliz contradição. As pessoas hoje parecem estar tão acomodadas em ter uma máquina a pensar por elas que não sabem o número das pessoas que mais convivem, estão tão reféns da tecnologia que se mudarem de computador mal conseguem acessar suas próprias contas, pois não se recordam das senhas salvas em forma de asteriscos, e ainda se dizem informadas, quando geralmente o que sabem são manchetes fragmentadas que alimentam uma conversa superficial, com um suplemento raro de 250 caracteres de informação para aqueles mais esforçadinhos que ousam ler o lead.

Imersos na tecnologia acreditamos que estamos verdadeiramente inseridos no mundo, quando na verdade vivemos conectados a uma ilusão mercadológica. Para a maioria só existimos como códigos inseridos nas redes, só fazemos aniversário quando a agenda do facebook o destaca, namoramos quando mudamos nosso perfil, gostamos quando ‘curtimos’, pelo Skype conversamos com colegas a meio metro, demonstramos nossos sentimentos e ideais com figurinhas e frases prontas, conhecemos o mundo sem sair de casa, e até gozamos sem precisar do Outro.

Hoje o que é moderno e bom amanhã está velho, ultrapassado. E isso não se restringe a tecnologia, o mercado também nos impõe um padrão de pensamento, nossas relações devem se adequar ao imperialismo do capital, a hierarquia do belo, a policia do gosto, a alfândega da crítica. No reino do lucro devemos amar de forma intensa e efêmera, sugar a sumo das coisas e depois joga-las fora em busca de novas aventuras, nada deve ser permanente, pois tudo pede melhorias, inovação e uma gota mais de gozo.

Sinto a humanidade correr atrás do coelho branco do mundo de Alice, vivemos sempre com pressa, queremos saber de tudo, abarcar o mundo, quando todo esse excesso, essa correria frenética nos faz é não senti-lo plenamente. Toda essa quantidade de informação desenfreada e acrítica faz é ofuscar as coisas e os valores que nos são realmente importantes. Afirmo que não tenho nada contra a tecnologia, pelo contrário bem sei dos inúmeros benefícios que ela nos traz, porém sinto vez ou outra, que em vez de compra-la e nos servimos positivamente dela, é o mercado que vem nos aliciando, comprando, formatando e escravizando nossa mente a esse varejo industrial.

B.G
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