Por vezes tenho a impressão de que as constantes inovações do mercado
tecnológico não só agem no mundo externo, como também penetram e fincam
seus transistores e cabos no domínio interior do homem, estimulando uma
crescente terceirização da nossa mente. Ontem quando estava passando em
frente a uma dessas lojas da Claro, fui surpreendida com rapaz
cheirando a Wi-Fi. Lá estava ele, quase uma etiqueta publicitária, todo equipado com a
mais alta tecnologia, com um relógio ultramoderno que poderia ser do
Batman, dois celulares em cada bolso conectando o seu traseiro ao mundo e
ainda um tablet com seus ectoplasmas girando na mão. Digo que não
fiquei surpresa com sua fantasia de vitrine, mas sim com uma simples
coisa na qual ele me disse.
Todo brincalhão e vendido, ele me mostrou seus brinquedos inovadores,
falava de megapixels, lentes carlzeiss, resolução HD, 3G, 3D, wi-fi,
face, twitter, wap, ultrabook, blogs, acesso rápido a vídeos no youtube e
mil e uma tecnologias que nunca ouvi falar e nem poderia me lembrar.
Derrepente, quando ele de cor declamava a importância de se ter um
celular como aquele, de saber a todo o momento o que estava se passando
no país e no mundo com sua rápida net, um dos seus celulares começou a
tocar. Ele pareceu não reconhecer o número, mas estranhando atendeu
mesmo assim.
Surpreso reconheceu alegre a sua mãe, e em instantes desligou falando
que ligava mais tarde, pois estava com “cliente”. Nisso ele me falou
sorridente “minha mãe tem o mesmo número há dez anos, mas toda vez que
mudo de celular, fico perdido sem minha agenda. Mal saberia ligar para
minha namorada se não tivesse um desses”, disse ele apontando para o
bolso.
Sem querer perder mais tempo, me despedi e segui meu caminho pensando
um pouco nessa infeliz contradição. As pessoas hoje parecem estar tão
acomodadas em ter uma máquina a pensar por elas que não sabem o número
das pessoas que mais convivem, estão tão reféns da tecnologia que se
mudarem de computador mal conseguem acessar suas próprias contas, pois
não se recordam das senhas salvas em forma de asteriscos, e ainda se
dizem informadas, quando geralmente o que sabem são manchetes
fragmentadas que alimentam uma conversa superficial, com um suplemento
raro de 250 caracteres de informação para aqueles mais esforçadinhos que
ousam ler o lead.
Imersos na tecnologia acreditamos que estamos verdadeiramente
inseridos no mundo, quando na verdade vivemos conectados a uma ilusão
mercadológica. Para a maioria só existimos como códigos inseridos nas
redes, só fazemos aniversário quando a agenda do facebook o destaca,
namoramos quando mudamos nosso perfil, gostamos quando ‘curtimos’, pelo
Skype conversamos com colegas a meio metro, demonstramos nossos
sentimentos e ideais com figurinhas e frases prontas, conhecemos o mundo
sem sair de casa, e até gozamos sem precisar do Outro.
Hoje o que é moderno e bom amanhã está velho, ultrapassado. E isso
não se restringe a tecnologia, o mercado também nos impõe um padrão de
pensamento, nossas relações devem se adequar ao imperialismo do capital,
a hierarquia do belo, a policia do gosto, a alfândega da crítica. No
reino do lucro devemos amar de forma intensa e efêmera, sugar a sumo das
coisas e depois joga-las fora em busca de novas aventuras, nada deve
ser permanente, pois tudo pede melhorias, inovação e uma gota mais de
gozo.
Sinto a humanidade correr atrás do coelho branco do mundo de Alice,
vivemos sempre com pressa, queremos saber de tudo, abarcar o mundo,
quando todo esse excesso, essa correria frenética nos faz é não senti-lo
plenamente. Toda essa quantidade de informação desenfreada e acrítica
faz é ofuscar as coisas e os valores que nos são realmente importantes.
Afirmo que não tenho nada contra a tecnologia, pelo contrário bem sei
dos inúmeros benefícios que ela nos traz, porém sinto vez ou outra, que
em vez de compra-la e nos servimos positivamente dela, é o mercado que
vem nos aliciando, comprando, formatando e escravizando nossa mente a
esse varejo industrial.
B.G
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