terça-feira, 4 de setembro de 2012

Tecnologia a serviço da terceirização do pensamento



Por vezes tenho a impressão de que as constantes inovações do mercado tecnológico não só agem no mundo externo, como também penetram e fincam seus transistores e cabos no domínio interior do homem, estimulando uma crescente terceirização da nossa mente. Ontem quando estava passando em frente a uma dessas lojas da Claro, fui surpreendida com rapaz cheirando a Wi-Fi. Lá estava ele, quase uma etiqueta publicitária, todo equipado com a mais alta tecnologia, com um relógio ultramoderno que poderia ser do Batman, dois celulares em cada bolso conectando o seu traseiro ao mundo e ainda um tablet com seus ectoplasmas girando na mão. Digo que não fiquei surpresa com sua fantasia de vitrine, mas sim com uma simples coisa na qual ele me disse.

Todo brincalhão e vendido, ele me mostrou seus brinquedos inovadores, falava de megapixels, lentes carlzeiss, resolução HD, 3G, 3D, wi-fi, face, twitter, wap, ultrabook, blogs, acesso rápido a vídeos no youtube e mil e uma tecnologias que nunca ouvi falar e nem poderia me lembrar. Derrepente, quando ele de cor declamava a importância de se ter um celular como aquele, de saber a todo o momento o que estava se passando no país e no mundo com sua rápida net, um dos seus celulares começou a tocar. Ele pareceu não reconhecer o número, mas estranhando atendeu mesmo assim.
Surpreso reconheceu alegre a sua mãe, e em instantes desligou falando que ligava mais tarde, pois estava com “cliente”. Nisso ele me falou sorridente “minha mãe tem o mesmo número há dez anos, mas toda vez que mudo de celular, fico perdido sem minha agenda. Mal saberia ligar para minha namorada se não tivesse um desses”, disse ele apontando para o bolso.

Sem querer perder mais tempo, me despedi e segui meu caminho pensando um pouco nessa infeliz contradição. As pessoas hoje parecem estar tão acomodadas em ter uma máquina a pensar por elas que não sabem o número das pessoas que mais convivem, estão tão reféns da tecnologia que se mudarem de computador mal conseguem acessar suas próprias contas, pois não se recordam das senhas salvas em forma de asteriscos, e ainda se dizem informadas, quando geralmente o que sabem são manchetes fragmentadas que alimentam uma conversa superficial, com um suplemento raro de 250 caracteres de informação para aqueles mais esforçadinhos que ousam ler o lead.

Imersos na tecnologia acreditamos que estamos verdadeiramente inseridos no mundo, quando na verdade vivemos conectados a uma ilusão mercadológica. Para a maioria só existimos como códigos inseridos nas redes, só fazemos aniversário quando a agenda do facebook o destaca, namoramos quando mudamos nosso perfil, gostamos quando ‘curtimos’, pelo Skype conversamos com colegas a meio metro, demonstramos nossos sentimentos e ideais com figurinhas e frases prontas, conhecemos o mundo sem sair de casa, e até gozamos sem precisar do Outro.

Hoje o que é moderno e bom amanhã está velho, ultrapassado. E isso não se restringe a tecnologia, o mercado também nos impõe um padrão de pensamento, nossas relações devem se adequar ao imperialismo do capital, a hierarquia do belo, a policia do gosto, a alfândega da crítica. No reino do lucro devemos amar de forma intensa e efêmera, sugar a sumo das coisas e depois joga-las fora em busca de novas aventuras, nada deve ser permanente, pois tudo pede melhorias, inovação e uma gota mais de gozo.

Sinto a humanidade correr atrás do coelho branco do mundo de Alice, vivemos sempre com pressa, queremos saber de tudo, abarcar o mundo, quando todo esse excesso, essa correria frenética nos faz é não senti-lo plenamente. Toda essa quantidade de informação desenfreada e acrítica faz é ofuscar as coisas e os valores que nos são realmente importantes. Afirmo que não tenho nada contra a tecnologia, pelo contrário bem sei dos inúmeros benefícios que ela nos traz, porém sinto vez ou outra, que em vez de compra-la e nos servimos positivamente dela, é o mercado que vem nos aliciando, comprando, formatando e escravizando nossa mente a esse varejo industrial.

B.G
http://www.miraculoso.com.br/

terça-feira, 8 de maio de 2012

Meu errante Lampião!

1° parte

 Sonho Agourento


Lam-pi-ão....este nome esta encravado na pedra mais bruta do nosso Sertão.. Esta terra prenhe de solidão, lentidão e contrição, ontem mesmo assombrou meus sonhos com suas agruras, transformando o que era úmido em poeira e castigando minhas poucas horas de sombra com estórias iluminadas de meio dia. Não se iluda com a palavra ‘iluminada’, pois é na hora do sol a pino que o diabo se solta no de-sertão. Num rompante, fui tragada pelas profundezas, e do nada, e em desespero me vi no Nada. Por todos os lados e avessos, só via a grossa terra chorando por água, digo, clamando, pois nem lágrima tinha por falta da matéria prima.

Meus olhos doíam de claridade. O possesso sol chicoteava todo meu vértice com suas lâminas incandescentes, que perpassavam minha fina pele em direção certa e ligeira às minhas veias ainda molhadas. Estas, coitadas..se enrijeceram, talvez por medo do calor abrasivo, que sussurrante passava roubando qualquer resquício de líquido estranho a essa terra seca e talhada.
Sentia dificuldade até pra respirar, pois que me chamem de louca, mas mesmo o ar era diabolicamente seco, como se em vez de oxigênio eu puxasse poeira quente sobre dois. Minha situação era uma variante tragédia, mas graças a uma lembrança sorrateira vinda de algum pavilhão do meu inconsciente, recordei-me que a pouco estava eu deitada em minha bagunçada cama folheando um livro amarelado de Virgolino Ferreira da Silva, o espinho errante do Sertão! Ah doce lembrança!..Isso foi como delicioso balde de água fria enxaguando minha alma já suarenta. Só podia eu estar sonhando certamente..mas que diacho de pesadelo foi esse em que me meti! E rogo em dizer, que por em engano viu senhor..pois rezei agorinha mesmo antes de me entregar aos braços deliciosos de Morfeu.

Por que fui cair justamente neste limbo, que não é sonho nem realidade, céu nem inferno, mas somente um oco vazio das entranhas secas deste velho Sertão? Tentei olhar para o alto para ver se encontrava dois olhos fechados lá rumo às grades do sonho, mas não conseguia devido às labaredas do sol! Gritei rezando pra sonsa acordar, mas só o eco das minhas lamúrias ficaram a me aporrinhar. Droga! O que farei agora!? Sento, espero e morro de sede pra ver se a danada acorda simplesmente para ir buscar um inocente copo d’agua na cozinha, esta, tão infinitamente próxima e distante do lugar tenebroso em que me encontro ou caminho em perseguição desvairada à minha sombra para ver se encontro algum personagem que engrandeça este sonho só rico de miséria.
Mas antes que eu desse o primeiro passo incerto, vi no horizonte fumegante, o que parecia ser um rabisco de um homem vindo em minha direção. Estanquei, quem será o rebento, filho desta terra perdida?! O que mais li naquele folhetim de banca para alucinar desse jeito e o que esperar deste sonho mandingueiro! Deus meu se tu és grande adentre meus pensamentos e me tire desta intersecção..mas e se meu espirito estiver fora do corpo, sendo bem cuidado em algum do plano superior?! Dai garota só restará a ti implorar para que o tempo aqui não escorra como seus demais sonhos, pois a ampulheta de Morfeu, geralmente lhe oferece uma vida inteira a cada noite.

Agoniada tentei afastar tais pensamentos focando as vistas já machucadas pelo clarão na figura insólita que se formava ao longe. Com o coração aos tropeços obriguei meu corpo a caminhar em direção ao homem. Cada passo era uma cruz pesada, pois o abrasivo calor tostava minha pele como se o sol fosse uma pequena janela a dar no inferno.

Vi aves de rapina flutuando no bafo quente do céu ou seriam urubus já farejando no ar uma carniça nova pra degustar? Do jeito que meu inconsciente adora pregar peças..mais fácil serem malditos urubus mesmo. Se eu morrer aqui espero que ao menos me lembrar dessa odisséia amarga a tempo de contar tal desvario a minha mãe..só ela mesmo para acreditar em tamanha desmiolagem!

(E o primeiro grão da ampulheta cai..)

2° parte

Encontro com o velho sertanejo


Um velho arranhado de sol, de passo lento e supersticioso, aproximou-se de mim. Parecia ele vir de amplíssimas lonjuras, não que resfolegasse, mas suas roupas encardidas pelo tempo casavam com a triste cor batida daquele horizonte sem fim... Seus pés maltratados pelo destino pareciam dormentes de tanto amassar pedra e poeira.. Digo que feridos não estavam, pois a grossa crosta do solado há muito haviam escolhido viver em comunhão com a velha terra.

Seu rosto juncado de atalhos guardava um olhar molhado expressivo. Essa misteriosa umidez realçava o brilho destes, não sabendo eu ao certo, se de tristeza em viver destino tão ordinário ou se de regozijo ensandecido por ludibriar a própria morte. Suas mãos retirantes levavam de um lado os calos de um passado penoso e na outra uma  garrafa velha  com um tanto  assim de água odorífica para dissipar-lhe talvez as mágoas. Ele percebeu meu ligeiro olhar acusatório e num grito só cantado e bafejante falou:

– Minina não me venha com este olhar de rabugem, pois tão cedo divides esta boa e velha cachaça comigo! Nesta terra de perrengue só persiste água quente, e esta, disse ele sacolejando a garrafa já pela metade, é da mais pura e boa estirpe! Levantou-a em direção ao céu, continuou com a propaganda manguaceira:

- É ela que alivia espíritos perdidos, e que chamejante desce umedecendo a glote, matando o que há de micróbio ruim. A cachaça é nossa melhor amante, nada requer apenas promove um doce gozo em nosso cérebro! Ah grande cachaça! Você veio para quebrar a apatia dos tempos! Chega mesmo a ser tudo, inclusive..

Nisso, fez uma ligeira pirueta, e em descompasso com a idade saltou em minha direção! Cheia de espanto tropecei assustada, mas vi que logo em seguida que o bandido de pé cru pisava era numa peçonhenta vinda dos vincos mais profundos do inferno!

“-Incluse remédio para mordedura de cobra!!”, disse ele pegando a chacoalhenta cascavel pela cabeça como se brinquedo fosse.

A bicha que se agitava toda foi forçada a abrir a guela devido à pressão de um obtuso dedo. Nisso a diaba revelou os dentes gigantos, que por pouco não abriram dois inocentes dutos para extravasar em mim o elixir da morte.

Meu velho e louco salvador em vez de matar a maldita num só golpe, mostrava em rixa, seus poucos dentes pra jaconda. Esta ensandecida soltava chipas com a sua rasgada língua. De suas entranhas macumbentas saiam um chiado terrivelmente enferrujado. O doido, em seu compasso de terreiro, como um dervixe fora do eixo rodava a cobra como corda.

A transe desvairada dele de forma inexplicável começou a deixar meu corpo um todo arrepiado. Uma música vinda não se sabe da onde, com um ritmo inenarrável, desviava meu coração de sua função e rotina. Em cadência ele tocava, uma nota impactante, participe daquela cigana orquestra! Horrorizada sentia meu espírito em reboliço, como se este quisesse forçar meu pobre corpo a rodar feito uma louca alucinada!

Tentava segurar meus pés e pensamentos, mas olhava hipnotizada para cena que se passava.. Digo que só não me entreguei à dança eloqüente, pois um rastro de auto deboche resgatou minha cansada sanidade. “Só posso estar louca! Estou encarcerada dentro do meu sonho, afundada a tal ponto, que minha própria pseudo-alma deseja ter mais vida própria do que eu, que sou apenas mais uma joguete desta paródia noturna!..", gritava eu comigo mesma.

Num ritmo ritmado vi o velho - que já não era tão velho assim -, por a garrafa na boca e cuspir logo em seguida uma rolha babada e porosa. E jogando por terra algum resquício de lógica, fez beijar a cobra a aguardente! Prensou seus dentes afiados no vidro com tanta força, que o veneno saiu num esguicho para a se misturar aquela bebida, que se já era impura, se tornou mortífera.

Feito isso, puxou da cintura um cintilante punhal de dois palmos e pausando toda trova, cortou ao meio a comparsa da medusa. Desnorteada vi na contraluz o velho fazer uma reza forte e depois se danar a beber a virulenta cachaça. Não sei era a forte luz que me deixava só com os contrastes, mas tive a nítida impressão de ver o velho espichar e engrandecer na medida em que tomava aquele líquido agourento. Olhou um tanto desfocado pra mim e disse já em si:

- Aguardente beijada por cobra raivosa, te fecha o corpo, te livra das balas e ainda afasta alma penada!

Não sabia o que dizer diante de tal cena incongruente. Levantei-me silenciosa, afastei o véu da alma, fechei os olhos para adentrar na única sombra ali presente, e com fé rezei para voltar a minha cama e à realidade. Mas de nada adiantou, bem  ali na minha frente, continuava o  velho que já pedia um nome.

- Eita minina tomare que esta prece seja ao menos reza mariana, pois de oração egoísta e interesseira, Deus já ta cheio!

- Senhor, perdoe a grosseria do meu silêncio, mas as palavras me escapam devido a angustia que passo. Simplesmente digo que não sou desta terra, vim de longe e não sei o que fazer para acordar..

- Eita cachaça da boa hem ou então a minina estrangeira tá mais perdida que bala em tiroteio de cego. Mas pior que te entendo, pois o mesmo procedia comigo diacho! Estava a caminhar a mais de ano, sem saber o que buscar. Mas agora que te encontro sinto que acordo enfim deste sonambulismo nômade, para lhe contar um causo somente, de extrema importância..

- E o que seria meu senhor? Disse eu desconfiada.
- Ora...por agora agorinha não me recordo sabe.., - disse ele ressabiado - mas não se apoquente viu, isso agente se alembra no caminho!

Pelo visto o absurdo vai reinar nessa viagem – pensava alto já olhando ao longe. – Mas me diga uma coisa, onde nós estamos?

- Ora tamos a um caminhar bão de Vila Bela!
- Vila Bela?! A cidade de Lampião?!! – "Só podia mesmo ser essa.."

- Cidade de Lampião!? Ora a ele todo Sertão pertence, aliás, seu signo pesado já rondava há muito estas bandas mesmo antes dele nascer. Vila Bela foi simplesmente onde o motor da insatisfação encontrou uma alma ferina para se a alojar! Dito e feito, uma sofrida Maria, se casou com um bom e pobre José. E foi nesse entrelaço, que o ferro do destino deste povo sertanejo escolheu o momento histórico para se vingar! Dessa união quase bíblica, sairão vários rebentos, mas um deles virá com um balaço quente no coração!

(E a ampulheta voltou a chorar..)

3° parte
                                      Lá vem vindo Virgolino!



Portinari - Retirantes

Lá fora, entre dois mandacarus tortos um magro jumento relinchou. O bafo sonolento da noite que pregava um silêncio de mil silêncios na triste terra adormecida estranhou a inquietude do animal. Parecendo sentir que algo penoso acontecia dentro da pequena casa mal pintada, granjeada por cercas atravessadas, o quadrupede bom sofredor, chamava para si a dor que untava os leves gemidos vindos de uma janela cerrada..

Uma coruja vinda dos confins de um céu belo e iluminado demais para se amancebar a fealdade da região seca e amarronzada, deu um rasante desafiante no ar e abraçou com suas garras amoladas o sopé da porteira cupinzenta, que agora rangia em lamurioso lamento. Com seus grandes olhos neuróticos, a noturna contorceu seu maleável e macio pescoço em direção ao primeiro grito abafado da prostrada Maria, que neste momento torcia lá dentro, as bordas de um lençol bege suado.

Suas mãos crispadas de dor apertavam o pano batido que a muito já soltara as amarras que lhe prendiam ao velho colchão. O ar quente que toma o quarto casamenteiro tem um cheiro forte de sangue e almíscar. As faces da enluarada Maria estão molhadas de suor, a ponto de ensopar seu cabelo displicentemente preso por um lenço vermelho cigano.

A cama feita pelo bom José parece agora pequena frente ao barrigão convexo que ocupa toda cena, e este estremece em sofrida contração mais vez que ou outra. Uma parteira de cabelos prateados entra no quarto, meio coxa, ela traz lentamente panos limpos e uma tigela mal areada com água morna. A senhora deixa os trapos num tripé perto da cama, e com mãos de vó ocupada, aperta o ventre agudo enquanto a outra levanta os panos da pequena saia rendada de Maria. Esta, ainda que de pernas abertas e dadas, mostrando a infinita essência do bem e do mal, emana de si uma áurea inocente e beata. Uma contração de tremer o mundo prepara a ferida naturalmente aberta para receber o pequeno rebento, que em agonia insiste em sair das protegidas e quentes entranhas da mãe. Maria desesperada geme, chora e clama por nossa senhora! A velha pede força e pressiona ainda mais o vale estufado.

Num rompante, dois gritos em comunhão gritam se reconhecendo em mútuo sofrimento e amor. O bebê sem nome escorre languidamente pela intersecção do mundo, e errante cai como labareda no miserento sertão. A mãe, esvaziada de sentido, se deixa cair na cama em uma paz sonolenta.

José, que encostado à porta esperava um silêncio apaziguado, entra no quarto todo amuado, vendo o suspiro cansado da esposa sente na alma um alívio incontido. Pega então nos braços a criança encasulada pelos alvos panos, e passa os dedos na testa úmida do filho, e com uma fé nordestina benze este pequeno broto, que se hoje em seus braços dorme como um cordeiro manso, amanhã trará o mundo em rebuliço.

- Sonhei ainda agora, que um anjo saído de um bravo relâmpago chegava a nossa porta, e encravava uma espada velha bem na entrada da nossa humilde casa. E depois olhou para mim, com olhos de puro raios, e num brado sem movimento de lábios disse – Ore por esta criança pois com ela vem o sofrimento de muitos. O menino que há de nascer antes do sol raiar será uma pausa no tempo e cortará a ferro seu destino. – E sem mais nem menos, me deixando só com os tremores sumiu derrepente..´

Maria ao ouvir estas palavras do marido, ergueu-se com esforço um pouco mais na cama, e com os braços falantes, chamou a sua pequena chama. José cuidadosamente entregou o pequeno de volta ao corpo quente da mãe. Ao ver aquele ser inocente, tão pequenino e já cheio de profecias a amarfanhar seu destino, a mãe diferente do pai que desarmava os filhos, não sentiu nenhum sinal de medo, pois há muito havia misturado seu sangue com o sangue ferino do menino, e sem perceber ou entender tinha agora um clamor estranho no peito..

- Se teu anjo disse que ele será uma vírgula no tempo, que esta seja uma pausa no sofrimento do nosso povo, que seja uma pausa contra essa canalha justiça que ressoa tanto por essas bandas. Nosso filho há de se chamar Virgolino Ferreira da Silva, e daremos todo amor e alento para abrandar seu espírito, mas como mãe jamais o julgarei caso ele lute contra o dragão da riqueza mesquinha. Hei de orar todos os dias, para que ele tenha uma armadura por corpo e uma alma boa. Deixe-me dar de mamar agora..


- Senhor senhor, como podes contar tudo isto, se não estava presente no nascimento dele? - Cortei tristemente o relato do velho contador.

- Eita minina avexada, estória boa não se atrapalha! Mas para tirar essa sobrancelha desconfiada da cara, digo que a bondosa parteira era minha vó, vózinha Francenilda me trouxe ao mundo também, uma pena que o cruzamento do destino só tenha nos encontrado nas dobras das mãos de minha vó. Venha agora continuemos a caminhar, pois senão o sol nos come antes de chegarmos ao meu pequeno oásis..

- Não sei como o senhor consegue contar isso tudo com a garganta tão seca! A sede só falta me estrangular, falta muito chão para alcançarmos este grotão? Daqui só vejo esse maldito descampado desidratado!, disse eu um tanto embrutecida.

- Calma menina venha para minha sombra para se refrescar, e de secura já basta essa terra desolada, não precisamos nos ressecar com palavras feias! Venha que eu devo continuar a história..

- Hunf, aiai não sei o que pensar de ti velho, ora é doido e agora ressentido com minhas palavras, como se cavalheiro fosse! Diga-me uma coisa, antes que eu precise cortá-lo novamente, qual é seu nome senhor?

- Arre me chame de velho Silva, agora vamos simbora que eu não mereço ser personagem de qualquer história que se preze. Voltemos as virgulas a ao meu amigo Virgolino..

4° parte 

No regaço do destino

Nesta terra seca e talhada nem peito de mãe carinhosa dá muito leite. Barriga para não passar fome tem que ter boca insistente e gosto de nada exigente. Virgulino aprendeu isso desde cedo. Rápido e com vontade o menino sugava os seios murchos da mãe, e com tanta energia chupava e lambia este veio, que das tetas tristes, na ânsia amada dos dois, que nesta hora santa formavam uma só, lá do fundo dos dutos da vida, um coração molhado de amor umedeceu as poeirentas glândulas de Maria com um líquido esbranquiçado e moroso. Se não era rico em proteína, pouco importava, o colostro vinha forte e caia quente, denso, carregado de carinho naquela boquinha sedenta.


Muitos diriam futuramente que Virgulino veio ao mundo com sede de justiça, mas seria pedir demais que aquele rascunho de gente batalhasse por algo mais que não fosse leite. Assim, se contentava a puxar ferozmente o caldo estranhamente grosso do âmago materno. Gota alguma escorria para fora dos lábios pequeninos daquele menino, pois este parecia sentir o quão precioso o líquido era para abrandar a tosse ranhenta do grande e velho Sertão.


O rebento assim gozava nos braços da mãe e a mãe chorava em crua felicidade ao ver a esperança jorrar em forma de alimento no corpo já quase saciado e cansado do pequeno guerreiro. Depois de mamar com tamanho fervor, emboletado dormia no regaço protegido da mãe. Maria, mãe de muitas promessas, velava preocupada o sono inquieto do filho, pois este desde cedo parecia dormir já ansiando acordar..


E assim o minino Virgulino foi espichando, crescia rodeado pelas rezas marianas e crendices da vó, pelo exemplo virtuoso do pai trabalhador, na alegria arteira dos irmãos, e sob o olhar atento e carinhoso da mãe por quem era encantado. Se a labareda do destino errante estava em suas entranhas, nessa idade primaveril a sina ficou acabrunhada a espera do infeliz sinal.


Virgulino como qualquer muleque do sertão era sabido ou distraído quando bem quisesse. O minino não via feiura em nada, por mais seca e difícil que fosse a terra sertaneja, lá tá ele passando correndo sem chinela, levantando poeira e gritando feliz por seus comparsas, “Xicão!! Bora danar as vacas do sr. Antonio e roubar uns caju!”, “Juca juca..tua irmã mais nova, Lindalvinha..a de casar comigo um dia!”, “Tião! Tenho medo docê não, sai toca diacho pra eu te dar uma sova!”


Todo coração de menino traz em si um Lampião corajoso e manhoso. E assim, benzidos por Padim Cícero, os rebentos confessavam os pecados só pra pecar muito mais. Estiligavam os passarinhos mais bunitos, puxavam o rabo dos cachorros mais ranhentos, levatavam a saia rodada da morena ardilosa com vareta só pra vê-la furiosa em toda sua beleza, nadavam pelados no riacho de Vila Bela, chupavam escondidos as mangas vermelhas dos fazendeiros ricos, dizendo que estas tinham um sabor mais doce do que as velhas mangueiras que tinham pertim de casa,  jogavam bola com bola de pano, faziam peão dançar na poeira, fugiam de casa a noitinha para contar estrelas e ouvir estórias proibidas dos homens do cangaço contra o volantes e suas ciladas, e no fim da aventura do dia, dormiam um sono bom, daqueles raros, com direito a beijo de mãe na testa, leite molhado nos lábios e sonhos entrelaçados..


- Água senhor Silva! Vejo um rio a correr lá na frente ou já estou a ver miragens? Não pode ser ilusão até escuto a água cristalina benzer esta terra de sonho ruim!


- Arre minina avexada!! Sempre a me cortar de susto antes d’eu terminar a prosa!! - falou brabo o velho.


- Me perdoe velho – disse eu já indo longe – se não estou acostumada a este clima infernal, mas preciso mais de água agora do que estória inventada sobre o menino Lampião! Deixe ele quieto dormir este sono bobo e gostoso e venha beber água fresca de verdade, sem cheiro de álcool!! – gritei feliz correndo rumo a fonte.. 


E os grãos da ampulheta velha voltam a cair..

5° parte
 
 Lampião: a ferida aberta do Sertão
 

Naquela terra queimada pelas agruras da seca pouco se escutava o murmúrio das águas. Estas pareciam escorrer silenciosas entre os veios abertos da ressecada pele sertaneja. A água de mansinho beijava a sôfrega terra, tentando talvez levar um pouco de frescor e vida a esse infeliz Sertão alimentado por tanto sol. Nem a noite escapava do bafo quente do dia, que serpenteando ia se alojar em qualquer reentrância escura para danar de suar.

Em baixo de uma árvore oca, um febril choro engasgado retorcia-se em consumida dor. A sombra encolhida pela injustiça, pouco feria o silêncio, mas as lágrimas ferventes desta caiam por terra fazendo-a tremer. O rapaz Virgolino perdera a paz de sua alma no exato instante em que sua mãe com o coração fulminantemente desiludido se rendera ao véu negro da morte. Maria, sua mãe, sofreu e padeceu como tantas outras infelizes marias, vendo seus pobres Josés serem assassinados pela ordinária e vendida milícia do Sertão. Maria desolada morreu, mas em seu último suspiro arrancou a sagrada fita que estancava a furiosa ferida do coração de seu filho mais amado.

Ali, caído na assombrada noite, Virgolino sentiu o ferro do destino lhe corroer miseravelmente as entranhas. Em labaredas a dor do povo sertanejo escorria como lava, estraçalhando seus nervos, bagos e veias. Seu coração como ovelha, parecia se desgarrar da juventude e correr em desatino em direção a velha vingança.

A ferida da alma sangrava por todo corpo, e a dor era tanta que a mente de Virgolino alucinava vendo os volantes esfaquearem o pai indefeso de cilada, sangrando via seus irmãos serem espancados e presos e para seu terror repetidas vezes via a imagem de sua mãezinha caída nos pés da cama com a mão no peito se entregando entristecida ao sombrio silêncio. Num rompante, sua lembrança foi cortada por centenas de imagens do seu povo sendo humilhado por ricos fazendeiros, viu velhos serem acoimados, açoitados e pisoteados pelos jagunços do governo, crianças arrebentadas de fome bem no cós de uma porteira mesquinha, velhas como sua vó trabalhando até a exaustão na cozinha areada do patrão, sentiu o cheiro das casas queimadas que a mando dos coronéis os capangas ateavam fogo ansiando tomar os humildes lotes de Vila Bela e tremeu irado quando em meio a névoa viu mancebas novas como sua irmã serem rasgadas e violentadas na boca de um rio choroso, só restando de inocência a branca roupa que lavaram.

Virgolino tinha agora os olhos do povo e quanto mais enxergava os horrores daquele sertão mais queria cegar-se de tamanha maldição. Virgolino chorou naquela noite todo choro abrasado do povo, cada lágrima machucada, cada sofrimento, foi um a um, sendo marcados a fogo na pele de sua alma. As estrelas do céu foram sumindo todas, as corujas pararam de voar e até o solitário riacho evitava sussurrar. Só o vento murcho de tristeza parou sem força atrás de uma velha pedra para em comunhão com o desolado Virgolino chorar.

O onipotente sol já começava a raiar quando a última marca perfurou seu já destroçado coração. Este, incandescente de ira, ardeu, gritou e surrou até a morte a alma do menino que ali existia. E foi assim que naquela fatídica noite que o jovem Virgolino sumiu em meio as cinzas iluminadas pelo sol. Até hoje não sei se foi o justo Deus ou o próprio Diabo que ajuntou aquele mundaréu de sofrimento e fez dali nascer o maior homem do Sertão. Só sei que Virgolino morreu e Lampião nasceu, e esse diferente do outro, acordou no quente sol de meio dia com um brilho estranho nos olhos e uma sede furiosa de vingança..

Próxima parte – No cangaço com Lampião

Leia na íntegra:
por Brunna Guimarães

terça-feira, 27 de março de 2012

A ilusão do sufrágio universal


Mikhail Bakunin

Os homens acreditavam que o estabelecimento do sufrágio universal garantia a liberdade dos povos. Mas infelizmente esta era uma grande ilusão e a compreensão da ilusão, em muitos lugares, levou à queda e à desmoralização do partido radical. Os radicais não queriam enganar o povo, pelo menos assim
asseguram as obras liberais, mas neste caso eles próprios foram enganados. Eles estavam firmemente convencidos quando prometeram ao povo a liberdade através do sufrágio universal. Inspirados por essa convicção, eles puderam sublevar as massas e derrubar os governos aristocráticos estabelecidos. Hoje depois de aprender com a experiência, e com a política do
poder, os radicais perderam a fé em si mesmos e em seus princípios derrotados e corruptos.

Mas tudo parecia tão natural e tão simples: uma vez que os poderes legislativo e executivo emanavam diretamente de uma eleição popular, não se tornariam a pura expressão da vontade popular e não produziriam a liberdade e o bem estar entre a população? Toda decepção com o sistema representativo está na ilusão de que um governo e uma legislação surgidos de uma eleição popular deve e pode representar a verdadeira vontade do povo. Instintiva e inevitavelmente, o povo espera duas coisas: a maior prosperidade possível combinada com a maior liberdade de
movimento e de ação. Isto significa a melhor organização dos interesses econômicos populares, e a completa ausência de qualquer organização política ou de poder, já que toda organização política se destina à negação da liberdade. Estes são os desejos básicos do povo. Os instintos dos governantes, sejam legisladores ou executores das leis, são diametricamente opostos por estarem numa posição excepcional.

Por mais democráticos que sejam seus sentimentos e suas intenções, atingida uma certa elevação de posto, vêem a sociedade da mesma forma que um professor vê seus alunos, e entre o professor e os alunos não há igualdade. De um lado, há o sentimento de superioridade, inevitavelmente provocado pela posição de superioridade que decorre da superioridade do professor, exercite ele o poder legislativo ou executivo. Quem fala de poder político, fala de dominação. Quando existe dominação, uma grande parcela da sociedade é dominada e os que são dominados geralmente detestam os que dominam, enquanto estes não têm outra escolha, a não ser subjugar e oprimir aqueles que dominam.

Esta é a eterna história do saber, desde que o poder surgiu no mundo. Isto é, o que também explica como e porque os democratas mais radicais, os rebeldes mais violentos se tornam os conservadores mais cautelosos assim que obtêm o poder. Tais retratações são geralmente consideradas atos de traição, mas isto é um erro. A causa principal é apenas a mudança de posição e, portanto, de perspectiva. Na suíça, assim como em outros lugares, a classe governante é completamente diferente e separada da massa dos governados.

Aqui, apesar da constituição política ser igualitária, é a burguesia que governa, e é o povo, operários e camponeses, que obedecem suas leis. O povo não tem tempo livre ou educação necessária para se ocupar do governo. Já que a burguesia tem ambos, ela tem de ato, se não por direito, privilégio exclusivo. Portanto, na Suíça, como em outros países a igualdade política é apenas uma ficção pueril, uma mentira. Separada como está do povo, por circunstâncias sociais e econômicas, como pode a burguesia expressar, nas leis e no governo, os sentimentos, as idéias, e a vontade do povo? É possível, e a experiência diária prova isto. Na legislação e no governo, a burguesia é dirigida principalmente por seus próprios interesses e preconceitos, sem levar em conta os interesses do povo. É verdade que todos os nossos legisladores, assim como todos os membros dos governos cantonais são eleitos, direta ou indiretamente, pelo povo.

É verdade que, em dia de eleição, mesmo a burguesia mais orgulhosa, se tiver ambição política, deve curvar-se diante de sua Majestade, a Soberania Popular. Mas, terminada a eleição, o povo volta ao trabalho, e a burguesia, a seus lucrativos negócios e às intrigas políticas. Não se encontram e não se reconhecem mais. Como se pode esperar que o povo, oprimido pelo trabalho e ignorante da maioria dos problemas, supervisione as ações de seus representantes? Na realidade, o controle exercido pelos eleitores aos seus representantes eleitos é pura ficção, já que no sistema representativo, o controle popular é apenas uma garantia da liberdade do povo, é evidente que tal liberdade não é mais do que ficção.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Te amo só hoje


Os acordes da minha alma ressoaram quando te re-conheci
Meu coração tremeu em doce espasmo quando te senti
E como um trem mágico sai dos trilhos da oca razão, indo de encontro ao destino que sempre quis..

Erra quem pensa que preciso de um
“fim” para chegar
Já alcancei a plenitude quando o universo nos uniu
Fiz o caminho inverso, descarrilhei de emoção e retornei a você, da onde nunca sai.. Não vi por quais caminhos passei e que desvios peguei, e nem me importo
Pois meu ponto final beija a eternidade encantada da hora que saí..

No amor, saí de mim, e num paradoxo lânguido misturei meu ser ao seu,
E se antes eu era eu, ao tomar-te, me reconheci inteira pela primeira vez..
Meu espírito nasceu inteiro, mas como uma sinfonia, precisava do músico para embaralhar harmonicamente meus acordes..
Hoje ouço minha alma vibrar e cantar!
O amanhã é pouco demais para mim, quero o hoje
Pois um hoje apaixonado carrega em si a eternidade


B.G

Ps: Te amo assim, com a simplicidade entregue de um beijo que deveria ter dado quando tínhamos 3 anos

quarta-feira, 14 de março de 2012

À sombra de um delírio verde



Na região Sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com Paraguai, o povo indígena com a maior população no Brasil trava, quase silenciosamente, uma luta desigual pela reconquista de seu território.
Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, juntamente com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível “limpo” e ecologicamente correto.
Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e trabalho escravo.
Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.

À Sombra de um Delírio Verde

Tempo: 29 min
Países: Argentina, Bélgica e Brasil
Narração: Fabiana Cozza
Direção: An Baccaert, Cristiano Navarro, Nicola Mu

quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulheres - Edson Marques


Não me bastam os cinco sentidos para perceber-lhes toda a beleza. Não me bastam os cinco sentidos para viver com totalidade o mistério profundo que elas trazem consigo. Eu tenho é que tocá-las, cheirá-las, acariciá-las, penetrar-lhes o sorriso, sentir o seu perfume, beijar-lhes o céu da boca, ouvir suas histórias, transformá-las em deusas. Tenho que dar-lhes o amor que o meu corpo conduz e sustenta-me a alma. O belo amor natural de todos os corpos e almas e coisas do mundo. Como espelho de paixões em labareda, tenho que sentir nos seus olhos um raro brilho diamante.

Eu as respeito e as venero, com a graça de um cisne satisfeito nadando num lago tranqüilo e a ousadia de um touro selvagem recém-despertado. Não lhes faço perguntas, não as pressiono por nada, não quero mudá-las jamais. Sempre imagino o que possam sonhar, e procuro suavemente entrar no sonho delas. Cavalgo o vento para visitar-lhes as razões, as emoções, as loucuras. E como um deus escandaloso e surpreso por sua própria criatura, eu entro então no coração de cada uma delas, deliciosamente, como se entrasse numa pulsante catedral. Mergulho na essência dos seus desejos e cada vez me espanto mais com tanta fantasia, com tanta formosura. Os cinco sentidos, por não serem precisos, ainda não bastam, e eu preciso mais do que isso para compreendê-las.

Toda mulher é silenciosa por dentro. A existência pura se manifesta em cada detalhe. Assim na terra como no céu, amar as mulheres é uma experiência religiosa. E eu as amo, fina substância, como deve amar quem ama de verdade -- incondicionalmente. Sem ciúmes. Eu amo as morenas, as loiras, as baixinhas, as altas, as lindas, as quase feias. Amo as virtuosas, as magras, as gordinhas, as diabólicas, as tímidas, e até as mentirosas. As iluminadas, as pecadoras, e as santíssimas. Amo as virgens, as pobres, as ricas, as loucas, as muito vivas, as inocentes. As bronzeadas pelo sol, e as branquinhas. As inteligentes, e as nem tanto. Desde que sensíveis, eu amo as jovens, as velhas, as solteiras, as casadas, as separadas. As bem-amadas, e as abandonadas. As livres, e as indecisas. E se me dessem o poder, o tempo, e, principalmente, a chance, eu a todas elas daria, todos os dias, um orgasmo cósmico e sublime. Poeticamente.

Apanharia flores silvestres, tomaria sol com todas elas. Andaríamos descalços na areia, contemplaríamos crepúsculos cor de abóbora, jantaríamos à luz de velas, dançaríamos, tomaríamos vinho branco, olharíamos as estrelas. E eu lhes faria poesias de amor. Puro como um anjo, amaria cada uma delas eternamente — uma por vez. Com delicadeza, com doçura, com profundidade, com inocência. Entusiasmado, como se cada uma fosse a única. Como se no mundo inteiro não houvesse mais nada, nem ninguém.

Todas as noites, passaria cremes e encantos no seu corpo. Falaria sobre fábulas, contaria histórias românticas, as veria dormir. Ao som de Vangelis, velaria por um tempo o sono delas, e de madrugada, antes do sol raiar, antes do primeiro pássaro cantar, as cobriria com o resto de luar que ainda houvesse, e sairia em silêncio. Como um felino lógico, sensual e saciado, deslizaria pelo cetim azul-celeste dos lençóis, saltaria por sobre todas as metáforas -- e sorrindo iria embora.

Enfim, se fosse Deus, eu com certeza não mais cuidaria do universo e dessas coisinhas banais. Não iria ficar controlando o destino das pessoas, o tempo, a pressa, os compromissos, as horas, o caminho dos planetas, a economia, o cotidiano, o infinito, a Internet, a geografia... Não!

Eu somente iria amar as mulheres, como elas merecem. E como nunca foram amadas.

Só isso, definitivamente. Nada mais, nada mais!

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

"Uma idéia pode transformar-se em pó ou em magia, dependendo do talento com que a fricciones." William Bernbach

Como pode escrever tão bem!



“E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco. E durante dois anos o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças, socando-se de gente. E ao lado o Miranda assustava-se, inquieto com aquela exuberância brutal de vida, aterrado defronte daquela floresta implacável que lhe crescia junto da casa, por debaixo das janelas, e cujas raízes, piores e mais grossas do que serpentes, minavam por toda a parte, ameaçando rebentar o chão em torno dela, rachando o solo e abalando tudo”
...

"Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui. ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas de fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras, era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, e muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras, embambecidas pela saudade de terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro da sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantaridas que zumbam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca."

Feito para acabar

Contrato do mal

 Rede Globo renova contrato com produtora de televisão para que o programa Big Brother seja realizado até 2020

 Senhoras e senhores o circo midiático está montado! No picadeiro, artistas de diferentes especialidades, ilusionistas, equilibristas, dançarinos, pedantes exibicionistas, egoístas, mulheres melancias, gladiadores suados, palhaços e bonecos de ventríloquo. Nesse espetáculo é permitido tudo, menos liberdade e pensamento crítico. A colorida lona circense encobre todo Brasil com seus olhos de Argos e a voz velhaca do apresentador ecoa até mesmo nas regiões mais longínquas e esfomeadas do país.

De forma quase mágica a arena se transforma ora em cabaré, ora em ringue ou num jogral de infantilidades. Em troca do paraíso prometido – fama, riqueza e felicidade fácil - os artistas estampam seus corpos, vendem valores adequados ao mercado e representam ao renomado público um dramalhão de festas, orgias, choros, bebedeiras, traições, superações e muitos outros jogos e estratagemas previamente articulados que arrancam gritos e risos bobos da hipnotizada platéia.

Os folhetins mercadológicos proclamam que notícia importante é saber que “Laisa almoçou com descolorante no braço”, que “Munique já se arrependeu de ter ficado com Jonas”, que “Renata deseja fazer tatuagens depois de sair da casa” e destaque para “Jõao Carvalho que agiu mais do que certo ao reclamar do fio dental no cinzeiro”..e inúmeras outras inutilidades. Este circo dantesco de idiotices não mereceria uma linha se quer, se não fosse a arrepiante manchete que li ontem: - Rede Globo renova contrato com produtora de televisão para que o programa Big Brother seja realizado até 2020.

Uma notícia dessa sim é importante. E deveria assustar os brasileiros com um todo, não é possível que um programa alienante desse, alimentado pela Rede Globo, cresça em nosso país sem percebermos o mal que ele, e outros tantos programas emburrecedores andam causando em nossa sociedade. Esse lixo reciclado transmiti valores de um capitalismo selvagem e decadente, a base de todo o programa é estimular a cobiça dos participantes para tentarem ganhar um milhão, ou ao menos gozarem de inúmeros ganhos materiais no decorrer ou pós a trama. E para terem direito de permanecerem na Casa, nos holofotes da fama, precisam angariar votos e para isso vale tudo, intriga, traição, sexo fácil, humilhação, jogo sujo e um malabarismo de idiotices sem fim.

Sinceramente o que me preocupa não é tanto as sacanagens sexuais que rola no programa, isso não é nada comparado à perversão da Rede Globo e do Sistema mercadológico. Enquanto ficamos perdidos na sacanagem que está rolando de baixo dos edredons, a nossa grande irmã Globo vai enfiando em nossas mentes (com lubrificante claro..), pseudo-valores adequados a sociedade de consumo, enquanto ficamos em estado alfa acompanhando a rotina rasa dos sortudos, esquecemos de refletir a situação gritante do nosso país. Fico me perguntando porque a maioria não percebe que mais criminoso que um estupro é a omissão daqueles que vem o ato acontecer e não fazem nada!  Como aceitamos presenciar um estupro em rede nacional, com 200 câmeras acompanhando e mais de 30 pessoas da globo observando e editando a cena sem nem darem o alarme?
 O responsável pelo estupro deve ser sim julgado pelo seu ato, mais  crime maior foi o da Globo que deveria ser processada e julgada, pois ela foi completamente omissa, e transformou todos os telespectadores brasileiros em participe do estupro. Mas infelizmente, creio que a coisa está tão às avessas, que tudo pode ter sido de um teatro realizado para aumentar o ibope, pois nada do que assistimos é “a vida como ela é”, tudo ali tem roteiro, a vida é tomada de empréstimo, é espetacularizada, moldada a sociedade consumo, e transmitida como se fosse real.
Ontem me questionaram por que me preocupo com uma coisa tão pequena e rasteira como Big Brother, ora preocupante para mim é naturalizar a ignorância, é prestigiar falta de senso crítico, é incitar a discórdia em nome do capital, é diminuir a liberdade do indivíduo, é instigá-lo a superficialidade, é domesticá-lo para se adequar ao sistema neoliberal. E isso tudo está presente não só nos reality shows, como nas novelas, na publicidade e em quase toda a nossa programação. Isso sim pede atenção, pois o mercado vem mastigando e retalhando o homem a seu bel-prazer para logo em seguida cuspi-lo fragmentado e reformulado, com uma nova identidade.

Quem prestar atenção irá perceber que não estamos muito longe da realidade ditadora e opressiva que originou o primeiro “Big Brother”. Só espero que nosso final não seja trágico como o de Winston Smith..

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Cada dia mais raro...!!

Presente de uma sábia mendiga




Ontem tive mais uma prova que o mundo é mais caloroso e sábio quando vindo de mãos humildes. O sol estava a pino, e eu com um marmitex made in china na mão andava no cós de uma rua cheia de rugas. Meus pensamentos voavam felizes na velocidade de uma moto vermelha e meus passos um tanto apressados contornavam pequenos abismos que carros 1.0 resfolegavam chorosos para subir e partir. E assim em direção ao meu carro ai, aliviada por não precisar pedir arrego hoje para sair de mais uma vala. A marmita em minha suada mão ainda estava quente e cheirosa quando a pus no capo empoeirado do carro para procurar a malandra chave, esta nunca estava onde meus dedos ansiosos procuravam, e o sol onipresente, parecia rir escaldante da minha desorganização. Enfim encontrei o bendito molho e assim abri a porta no apertado vão, mas antes de entrar na minha estufa, vi uma senhora histórica sentada entre papelões e coloridos panos no chão comercial. Nossos olhares em linha reta se encontraram. Ela tinha olhos que pareciam já ter olhado muito, tinha uma pele daquelas que a cada vinco guardava uma dor e cabelos assustados do mundo, no mais, de longe não se podia ver mais. Nem ela a eu. Vi que a marmita continuava no capo, mas seu destino não era mais o estomago grande do meu irmão. Peguei-a e fui ao encontro daquela senhora, igual a tantas outras senhoras, vítimas do descaso desse mundo injusto e desigual. Queria poder ajudá-la de verdade, mas me sinto tão perdida e impotente frente a este mundo tão na contramão da humanidade..assim aproximei-me dela com tão pouco que me senti de início envergonhada. Afastei esse pensamento ruim acreditando pelo menos que ia alegra-la um pouco com um almoço inesperado, mas foi nesse momento que não ela, mas eu me surpreendi. Para adiantar conto que fui presenteada neste maravilhoso encontro, sim dei uma marmita e levei sorridente dois suaves sabonetes para casa e mais um sábio aprendizado.  Deve estar se perguntando como tive coragem de tirar da senhora que praticamente nada tinha algo dela. Eu mesma me taxaria a um dia atrás, porém a sabedoria humilde da senhora abriu um pouco mais minha mente. Como explicar..lá estava eu, com a marmita na mão a poucos metros dela e ela de mim, quem sorriu primeiro foi ela, e logo depois por reflexo minha alma respondeu. Meu gesto era o mais simples e comum possível, mas a senhora sem nome recebeu-o com tamanha alegria e exacerbada disposição que estranhei de início sua sanidade, mas em instantes mudei de ideia. Ao receber a pequena marmita, a senhora agradeceu com tanta vida que juro que ela rejuvenesceu décadas aos meus olhos. Crendo que não podia fazer mais nada por ela, me despedi e me virei para ir embora, mas mal sabia eu que ela tinha o que fazer por mim.

- “Menina, volte aqui!! Tenho algo para te presentear também!” foram exatamente estas palavras que ouvi da senhorinha.

- Como? Algo para mim??!! Não precisa não disse eu surpresa voltando.

Ela sem levantar, revirou com vigor umas sacolas de mercado escondidas de baixo dos panos e tirou dois sabonetes nivea de um  misterioso saco. Olhei sem entender aquilo, mas o braço da senhora continuava lá em riste em direção a mim, e os dois sabonetes pediam para ser apanhados logo. Insisti dizendo que não precisava, mas ela calorosa e mais insistente ainda disse a mim – “Minha filha, ninguém é tão pobre que só possa receber e nem tão humilde que não possa presentear” “e eu me sinto melhor, mais dentro do mundo, podendo te ajudar também, nem que seja de forma humilde..”

E assim lá fui com os meus dois novos sabonetes nas mãos imensamente agradecida. Dona Maria almoçou e eu me alimentei de suas sábias palavras.. e ainda limpei feliz da vida meu corpo suado com o sabonete ganhado! 

B.G

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Brasil: um país de mentira



Enquanto nossos governantes e empresários estouravam champanhes em suas coberturas palacianas comemorando a posição do Brasil de 6º maior economia do mundo, milhões de brasileiros, na virada do ano, eram castigados pelas enchentes que a cada ano fazem mais vítimas e tragam mais vidas devido à negligência e inércia dolosa dos dirigentes do Brasil.

Se o país gosta de ostentar números, é importante frisar que o Brasil está entre as dez nações com mais mortes em enchentes do mundo, sendo que ano passado morreram mais de 1.500 pessoas por causa das inundações e deslizamentos de terras, deixando ainda milhões de pessoas desabrigadas.

Comparado a 2010, na qual morreram 473 pessoas, o número de mortes em 2011 triplicou. Será que o lamentável aumento foi propiciado pelo nosso Ministro da Integração que destinou 90% da verba pública contra enchentes no último ano para o seu privilegiado estado? O ministro nega com cara de bom moço este direcionamento político do dinheiro, e assim, o velho teatro de demagogias e mentiras se repete na arena política..

Mais um ano se passou e o povo continua pagando, muitas vezes com a própria vida, o preço de políticas públicas péssimas ou mal sucedidas nas áreas de habitação, infraestrutura e instalações sanitárias. O vazio institucional deixado pela lacuna da gestão metropolitana agrava, ou melhor, causa a maior parte das mortes na época das chuvas, já que os dirigentes, com raras exceções, fazem vista grossa quando a população – não absorvida pela cidade formal – ocupa desordenadamente e por falta de opção, regiões críticas, periféricas, geralmente de encosta ou ribeirinhas, em sub-moradias, sem o mínimo acompanhamento de infraestrutura necessário.

As péssimas condições de moradia dada ao do povo brasileiro, o pouco controle sobre o uso do solo, o excesso de impermeabilização, falta de limpeza pública e a inexperiência dos profissionais responsáveis pelos órgãos de planejamento da drenagem das águas, contribuem para alimentar a tragédia causada pelas enchentes.

Sem melhorias visíveis nestes últimos anos no controle de enchentes, que deveriam permitir o manejo sustentável das águas pluviais, 2012 já começa bem amargo para a população de inúmeras regiões brasileiras. Já são 71 municípios mineiros que decretaram situação de emergência e no Rio de Janeiro, mais de 25 mil pessoas estão fora de casa por causa das inundações.

Enquanto aumentam o número de vítimas devido a indiferença do Estado, este tenta nos iludir espetacularizando a economia do Brasil. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o Brasil vai ser a 5° economia do mundo antes de 2015. Esse ranking seria excelente se não valesse somente para uma minoriazinha abastada que controla o país, pois a verdade é que a maior parte da população sente na pele todos os dias a lamentável posição do país no que se refere ao Índice de Desenvolvimento Humano, ou seja, a 84º posição, um pouco acima de Zâmbia e Uganda.

Sermos a sexta ou quinta economia do mundo de nada vale, se este desenvolvimento abarca poucos. Atualmente quase 20 milhões de brasileiros estão situados abaixo da linha da pobreza absoluta, 18 milhões são analfabetos, e a maioria ganha um salário de fome que não dá para suprir nem as necessidades mais básicas.

Para termos uma ideia da diferença salarial gritante do nosso país comparado a outros países desenvolvidos, podemos observar que o salário mínimo mensal no Reino Unido é equivalente a 2.650 reais, e o nosso será de apenas 622 reais a partir deste mês de janeiro. Enquanto nossa educação, saúde, saneamento, transporte, moradia, e segurança pública vão tendo seus recursos cortados e desviados, o país continua sonhando em passar a França e jogar um bolão na Copa.

B.G
http://miraculoso.com.br/