terça-feira, 29 de outubro de 2013

Que todas a Evas comam da maçã







“A Revolução, portanto, não foi um mero evento que ocorreu fora dela, foi um agente ativo no seu próprio sangue. Ela esteve em revolta durante toda a sua vida – contra a tirania, contra a lei, contra as convenções” (Virginia Woolf)



Cá estou, sentada ao fundo de uma vasta sala de aula, cercada por homens, que escutam um homem de pé a falar de outros homens. Se não fosse duas ou três presenças do mesmo gênero que o meu, diria com toda certeza que na dita filosofia acadêmica ainda impera o cheiro de testosterona misturada com a poeira dos velhos tempos. Esta, pelo visto, ainda insiste em se esconder de baixo do verniz da modernidade.


Mais de duzentos anos se passaram e as palavras de Mary Wollstonecraft ainda clamam por serem ouvidas em sua plenitude. Pioneira do feminismo moderno, a inglesa Wollstonecraft em sua obra “A Vindication of the Rights of Woman” (em português, Uma Defesa dos Direitos da Mulher), discorre, acerca da necessidade de haver uma completa reformulação nas relações sociais, sejam em âmbito público ou privado, para a igualdade entre os sexos. Aliás, não só Wollstonecraft, mas inúmeras grandes mulheres como Olympe de Gouges, Bertha Pappenheim, Nísia Floresta, Berta Lutz e Simone Beauvoir, trouxeram a tona as constantes barreiras enfrentadas pelas mulheres e expressaram em suas obras a importância de ser abolido o pensamento equivocado do papel tradicional conferido ao nosso gênero. 


Para refletirmos um pouco sobre os inúmeros desafios da mulher na contemporaneidade é preciso voltamos no tempo e compreendermos que ao longo da história a mulher foi constantemente violentada pelo decreto da exclusão. E creio que, a história da filosofia, sendo determinante para a criação de conceitos fundamentais de estruturação da sociedade, teve um papel preponderante, no sentido de solapar ainda mais seus direitos. É preciso perceber que a rigidez da filosofia muito alimentou a intolerância, discriminação e a propagação de estereótipos que, ao todo rebaixaram o papel da mulher em nossa sociedade. 


Não tenho dúvidas acerca dos numerosos avanços que tangem a questão da igualdade de gênero, principalmente nas duas últimas décadas que foram os anos mais heróicos da geração. De certa maneira, hoje temos oportunidade de estudar em uma boa universidade, adentramos aos poucos no universo público e político e ainda reduzimos muito preconceitos inculcados à mulher no decorrer desta perversa história que nos prendeu e nos estagnou por séculos, mas apesar dos importantes passos dados até agora, aqui estou, me perguntando se nosso gênero emancipou-se realmente ou se o mundo ainda camufla as raízes dessa opressão ilegítima que submete a mulher ao árbitro do poder da beleza, ao julgo do homem que quando não a tiraniza por meio da violência, insiste em colocá-la como mero objeto sexual, não só para satisfazer-se, mas convenientemente declarar e fortalecer os próprios atributos de “macho alfa maior”. 





Dizer que a mulher e o homem vivem em pé de igualdade hoje soa como um engodo para nos vendar os olhos para a realidade que ainda nos é imposta ou como uma utopia que insiste em ser real. E sabemos muito bem que somente por meio de muita luta é que teremos condições de enlaçá-la e transformá-la um dia em matéria. 


Para que não fiquemos somente com palavras soltas, trago alguns dados importantes que demonstram o quanto as mulheres ainda enfrentam obstáculos na vida profissional, como a divisão sexual do trabalho, a discriminação em determinadas posições e áreas, e como já dito, uma contínua perpetuação de estereótipos.


Segundo os últimos estudos do IBGE (2010) fica claro que as mulheres têm menos chances de emprego, ganham menos do que o universo masculino trabalhando nas mesmas funções e ocupam os piores postos. Ressalta-se, que o mais recente Censo Demográfico do País mostra que o rendimento médio mensal dos homens com Carteira Profissional assinada foi 30% superior ao das mulheres, apesar de terem a mesma escolaridade. E de acordo com o último relatório (2010) do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, as mulheres representam mais da metade da população e do eleitorado, mas ocupam menos que 20% dos cargos de maior nível hierárquico no Parlamento, nos governos municipais e estaduais, nas secretarias do Poder Executivo, no Judiciário, nos sindicatos e nas reitorias das universidades. 


No setor privado o quadro não é muito diferente, já que as pesquisas confirmam a proporção de 20% a 30% de mulheres nos postos de chefia. Outro dado importante trata da participação feminina na Ciência. De acordo com pesquisa feita em 2010 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), desde de 2004 o Brasil titula em programas de doutorado mais mulheres que homens. Entretanto, esse crescimento global não se transformou em ganho efetivo, seja em termos salariais, seja para atingir os níveis mais altos da carreira em diferentes áreas profissionais e nas carreiras científicas. Dados do CNPq, por exemplo, revelam que as mulheres bolsistas Produtividade em Pesquisa, mantém-se no mesmo patamar há mais de 10 anos, em torno de 30%, em todos os níveis. E no nível mais alto da bolsa (1A) de Produtividade em Pesquisa, o percentual gira em torno dos 20%. O CGEE aponta ainda que as doutoras do receberam no ano de 2009 uma remuneração mensal 11% menor do que a dos doutores do sexo masculino.


Estes dados brasileiros adicionados aos inúmeros diagnósticos elaborados por organismos internacionais apontam para a exclusão generalizada das mulheres na grande maioria dos países, nas esferas de poder, para a banalização da violência contra as mulheres e para a feminilização da pobreza, entre outros fenômenos sociais. Com isso, verificamos que ainda vigoram com muita força, padrões, valores e atitudes discriminatórias contra a mulher.





Não é atoa que ainda ocupamos tão poucas cadeiras nos cursos de filosofia. Conhecimento é a mais nobre expressão de liberdade e grande parte das mulheres deve sentir, ainda que de maneira inconsciente, o grilhão da discriminação, que tanto impediu o florescimento do entendimento feminino. Para superarmos este atraso que nos foi sordidamente infligido, é indispensável promovermos uma firme educação que elimine de vez a discriminação de gênero e conseqüentemente potencialize o intelecto feminino. Só assim, quando todo ser humano for visto com igual capacidade para desenvolver a razão é que a humanidade de fato emancipará.


Por Brunna Guimarães para O MIRACULOSO