sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Presente de uma sábia mendiga




Ontem tive mais uma prova que o mundo é mais caloroso e sábio quando vindo de mãos humildes. O sol estava a pino, e eu com um marmitex made in china na mão andava no cós de uma rua cheia de rugas. Meus pensamentos voavam felizes na velocidade de uma moto vermelha e meus passos um tanto apressados contornavam pequenos abismos que carros 1.0 resfolegavam chorosos para subir e partir. E assim em direção ao meu carro ai, aliviada por não precisar pedir arrego hoje para sair de mais uma vala. A marmita em minha suada mão ainda estava quente e cheirosa quando a pus no capo empoeirado do carro para procurar a malandra chave, esta nunca estava onde meus dedos ansiosos procuravam, e o sol onipresente, parecia rir escaldante da minha desorganização. Enfim encontrei o bendito molho e assim abri a porta no apertado vão, mas antes de entrar na minha estufa, vi uma senhora histórica sentada entre papelões e coloridos panos no chão comercial. Nossos olhares em linha reta se encontraram. Ela tinha olhos que pareciam já ter olhado muito, tinha uma pele daquelas que a cada vinco guardava uma dor e cabelos assustados do mundo, no mais, de longe não se podia ver mais. Nem ela a eu. Vi que a marmita continuava no capo, mas seu destino não era mais o estomago grande do meu irmão. Peguei-a e fui ao encontro daquela senhora, igual a tantas outras senhoras, vítimas do descaso desse mundo injusto e desigual. Queria poder ajudá-la de verdade, mas me sinto tão perdida e impotente frente a este mundo tão na contramão da humanidade..assim aproximei-me dela com tão pouco que me senti de início envergonhada. Afastei esse pensamento ruim acreditando pelo menos que ia alegra-la um pouco com um almoço inesperado, mas foi nesse momento que não ela, mas eu me surpreendi. Para adiantar conto que fui presenteada neste maravilhoso encontro, sim dei uma marmita e levei sorridente dois suaves sabonetes para casa e mais um sábio aprendizado.  Deve estar se perguntando como tive coragem de tirar da senhora que praticamente nada tinha algo dela. Eu mesma me taxaria a um dia atrás, porém a sabedoria humilde da senhora abriu um pouco mais minha mente. Como explicar..lá estava eu, com a marmita na mão a poucos metros dela e ela de mim, quem sorriu primeiro foi ela, e logo depois por reflexo minha alma respondeu. Meu gesto era o mais simples e comum possível, mas a senhora sem nome recebeu-o com tamanha alegria e exacerbada disposição que estranhei de início sua sanidade, mas em instantes mudei de ideia. Ao receber a pequena marmita, a senhora agradeceu com tanta vida que juro que ela rejuvenesceu décadas aos meus olhos. Crendo que não podia fazer mais nada por ela, me despedi e me virei para ir embora, mas mal sabia eu que ela tinha o que fazer por mim.

- “Menina, volte aqui!! Tenho algo para te presentear também!” foram exatamente estas palavras que ouvi da senhorinha.

- Como? Algo para mim??!! Não precisa não disse eu surpresa voltando.

Ela sem levantar, revirou com vigor umas sacolas de mercado escondidas de baixo dos panos e tirou dois sabonetes nivea de um  misterioso saco. Olhei sem entender aquilo, mas o braço da senhora continuava lá em riste em direção a mim, e os dois sabonetes pediam para ser apanhados logo. Insisti dizendo que não precisava, mas ela calorosa e mais insistente ainda disse a mim – “Minha filha, ninguém é tão pobre que só possa receber e nem tão humilde que não possa presentear” “e eu me sinto melhor, mais dentro do mundo, podendo te ajudar também, nem que seja de forma humilde..”

E assim lá fui com os meus dois novos sabonetes nas mãos imensamente agradecida. Dona Maria almoçou e eu me alimentei de suas sábias palavras.. e ainda limpei feliz da vida meu corpo suado com o sabonete ganhado! 

B.G

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