sexta-feira, 6 de maio de 2011

Pintando e bordando a vida de cores


Sentada numa cadeirinha de palha, próxima a uma janela iluminada por raios de sol, que se estilhaçam pelos vidros das coloridas mandalas que ocupam as paredes de todo quarto, minha querida vó Maria Lygia Faria Rodrigue, com seus 85 anos, conta sobre sua vida conjugal. Com olhos brilhantes e arteiros, ela sempre me surpreende com um linguajar deliciosamente sem os pudores e a calmaria costumeira da idade. Ao perguntar sobre os primeiros anos de sua vida ao lado do vovô Luis, ela conta que ao contrário da maioria dos casamentos que morrem lentamente com passar dos anos, o seu casamento começou as avessas.

“Eu não o amava quando me casei. O que eu sentia tinha outro nome..tinha mais cheiro, mais pele, mais paixão. Não conhecia o sexo, mas sabia que era com ele que queria conhecer e desvendar esse mistério. Digo isso hoje, mas na época isso era um pouco mais confuso e amedrontador. Não sei se foi porque era uma época que o mundo estava em polvorosa com a guerra, e não se perdia tempo falando sobre como coisas baixas como corpo e intimidade, só sei que minha a mãe e minhas tias jamais me falaram sobre a pecaminosa palavra – sexo. Minhas amigas eram mais ignorantes que eu assim só tinha idéias rebuscadas, muitas vezes fantásticas e outras assombrosas sobre como seria se deitar com um homem.”

Rindo, ela conta que sua ingenuidade na época era tamanha que quase acabou com o seu noivado porque uma amiga tinha dito que escutou rumores de que seu noivo, e meu futuro vô tinha um membro enorme e que só a faria a sofrer depois do casamento. “Essa idéia impregnou tanto meus pensamentos que nervosa fui conversar com ele sobre isso. Ao escutar minha elucubrações fantasiosas, Luis riu até não poder mais e em seguida me puxou pelos braços e me deu um beijo, que me fez derreter toda, não de medo mais de pura curiosidade e paixão. No dia seguinte, lá estava ele, na porta da minha casa, com um livrinho escondido de baixo dos braços, me chamando. Era um livro científico explicando os mistérios do sexo. Passamos quase a tarde toda debruçados e abraçados sobre o livro, ele concentrado explicando minhas inúmeras dúvidas e eu encantada, não vendo a hora experimentar tudo que dizia e mostrava no livro com ele, só ele..”

Vovó foi casada por 44 anos, e me conta que os longos anos de convivência com o vovô não foram pincelados apenas por amor, alegria e calmaria. Apesar de ter sido muito feliz ao lado de seu grande amor, ela afirma que todo casamento é uma arte, e o seu não foi pintando por mãos calmas, nem cores pastéis e amenas. Como os diferentes quadros e estilos da pintora, seu casamento teve momentos cujo os matizes delicados lembram algumas telas primaveris de Renoir, e outros interstícios mais intensos e angustiantes como as pinturas mais sombrias de Caravaggio.

“Eu e Luis tínhamos temperamentos completamente diferentes, ele era mais reservado e calmo enquanto eu sempre fui mais imprevisível e explosiva. Numa de nossas brigas, uma vez fiquei tão irritada e colérica que joguei com toda minha força uma jarra de suco em sua direção” relembra vovó que até hoje não lembra o motivo de sua exasperação. “Há certas coisas no casamento que é melhor sublimar ou rezar para esquecer” brinca ela.
Para a minha vó artista o casamento só deu certo e se sustentou no decorrer dos anos porque seu companheiro era o melhor ouvinte do mundo. “Tivemos muitas brigas durante o nosso casamento, mas sempre que eu começava a me alterar ele parava de discutir e apenas me ouvia com paciência, não sei explicar mais essa tranqüilidade e segurança que ele emanava sempre me acalmavam no final das contas”.

Segundo ela, seu companheiro parecia entender que seu gênio sempre precisou expressar sem meias palavras a raiva e os ressentimentos que sentia, enquanto ele era mais de guardar seus problemas consigo. “Podíamos brigar o dia inteiro, mas que nunca em nossas vidas dormimos brigados um com o outro, pois ele acreditava que o segredo para um casamento feliz era ter paz ou amor todas as noites em nossa cama”, isso ela me contou um dia desses com brilho nos olhos e saudades no coração..

3 comentários:

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Belo texto, Brunna! Sua sensibilidade captou muito bem o que a vó Lygia é. Alguém com a imensa sabedoria que a idade traz, mas sem o reacionarismo que costuma vir junto.
Parabéns às duas!

Unknown disse...

Estava precisando ler isso hoje. Ganhei meu dia!

Parabéns pelo texto e pela vó.