quinta-feira, 5 de maio de 2011

Um pulo no Rio


É fantástico viajar como se tivéssemos só sete moedas no bolso, voltamos ainda com duas e mais um bocado de estórias na cabeça. Mal cheguei no rio e me senti deliciosamente gringa . Paguei 60 reais só para sair do aeroporto e entrar numa esquina, onde se encontra meu hostel, o valor que paguei para o taxista daria para passar quase duas noites no El misti, que cobra humildes R$ 38 reais, e com direito a café da manha. Agora que vi a entradinha aprazível da pousada, do lado de um hospital enorme, onde todos só entram passando por uma guarita com segurança, perto de um pão de açúcar,  me sinto mais a vontade para desmentir o causo do aumento..rs. A fronteira nunca me pareceu tão próxima, passei por uma portinha de ferro avermelhada e já me senti na argentina, no Chile, na Bahia, na Inglaterra, nos eua e tudo isto num rio muito diverso e esperto.

Entrei com vontade no albergue, com uma mala pesada e assimétrica nas mãos atravessei o portão e dei de cara com uma varandinha meio underground , musica cubana saindo de umas caixas de som um tanto modernas, cartazes em inglês e espanhol, garrafas de caipirinha, vodka, tequila numa mesinha pra lá de abastecida, com direito ate a um guarda chuvinha colorido num copo bebido a pouco. Num sofá que de tanta gente deitar se tornou estranhamente aconchegante, vi de esguela um rapaz meio argentino meio cubano, sei lá a procedência mas conseguia ser mais latino que agente. Tinha um livro nas mãos e um olhar esquisito de enfado que atraíam terrívelmente minha curiosidade por ``casos complexos``..rs mas o peso da bendita mala vermelha foi maior que esta, me obrigando a desviar os olhos e passar por um guri loiro no outro extremo do sofá, que ao contrario do outro me olhava de esguela da mesma forma que fiz com no cubano. Passei reto em direção a uma luz que me recebeu calorosamente, mala de mochileiro pra tudo quanto é lado, cheiro de brownie quente no ar, uma escada estreita a minha esquerda e uma salinha de internet com uns ruivos lá dentro. Eu parecia estar em casa..literalmente! pois ninguém veio para me receber, todo mundo continuava a fazer suas atividades ou sei lá o que, uma baiana tirando o cheiro bom do forno, umas suecas ou de terras afins subindo as escadas falando num idioma carregado de mistérios..soltei minha mala quase num estofado ranhento, mas a mim me pareceu que ele gostava mais de um jeans velho, logo deixei minha mala no chão mesmo, e dito e feito surgiu uma moça logo em seguida para esquentar o sofá e colocar seus tênis já engasgados de tanta poeira mas animado por mais uma aventura.

Arrisquei um ``olá`` que soou quase com sotaque e esperei por uma boa alma, que veio em forma de gente, brasileira, com chinela havaiana arrastando, e um sorriso quase familiar. ``você é a Brunna, do quarto Niterói neh?`` ``Sou sim, mas meu quarto é o de ilha grande não..?`` brinquei..ela pareceu não entender mas mesmo assim sorriu e me recebeu bem. Parolamos um pouco sobre esta cidade ``maravilhosa`` que pouco conhecíamos suas maravilhas e preenchi um papelzim sobre minha nobre estada. Em seguida, ela disse que íamos fazer um tour pelo nosso querido quadrado, e subimos aquela escadinha que lhe falei, ah a arquitetura é fantástica! um banheiro subindo as escadas, de frente, em linha reta, na direção certa do meu aperto! Um momentinho falei, quero conhecer o toilet, ufa..alivio dos pés a cabeça! Prosseguimos, virei a esquerda, direita, entrei num quarto, achei que era o meu, com a mala pesada nas maos meus dedos me jaja me xingariam sem perdão, mas ela disse não, é logo ali no anexo a este quarto, siga em frente. Entrei num quarto de 20m², 3 camas com mais duas encima de cada uma, olhei para o teto, é só lá consegui respirar, qual você vai escolher, me perguntou Valéria, a atendente, ``ahhh a de cima claro sempre quis deixar uma pegada no teto!`` boa escolha, falou ela, os colchões de cima são mais novos..tipo olhei depois, se são novos não quero nem imaginar os velhos..rs mas sem problemas ela me passou uns lençóis limpos, sem odores no melhor dos elogios, na qual forrei meu ninho por duas noites, e ela foi dizendo que eu podia fazer um miojo no fogão e utilizar a geladeira como bem quisesse. E lá foi ela simbora..sem fazer o tour que prometeu, ou cumprindo o prometido de forma resumida.

Mas mudei o foco, vi um corpo deitado numa cama ao lado, pelo jeito com dor de cabeça, mas assim que fui conversando com ela, sua ressaca foi do vinho para água. Seu nome é Paula, revendedora de uma grande loja de bijouteria na argentina, ela sonha em espalhar essa grandeza por estas bandas cá no Brasil. Quase não tem sotaque, pois seus pais moraram com ela aqui por mais de 10 anos, mas tiveram que retornar para cuidar dos pais dos pais dela lá em Buenos. Carismatica Paula falava sobre suas exposições e eu pensava aliviada "ela não tem cara de quem guarda uma faca de baixo do travesseiro ou camisinhas de baixo da saia'. Baixei a retaguarda, joguei a desconfiança de lado, me atirei na cama, e pusemos a conversar sobre o glorioso mercado das bijus, falei o que sabia, aprendi o que não atendia e omiti certas dificuldades para não acinzentar o sonho colorido dela. A fome foi dando batidas na porta do meu estomago então guardei minhas tralhas a sete chaves, literalmente, e fui parar no térreo novamente.

Abri o portaozinho e lá estava eu de volta ao Rio, com suas buzinas atiçadas, loucas e neuróticas para retornar a garagem depois de mais um dia de trabalho. Tentava chegar ao mercado, pão de açúcar, mas o transito agoniado não deixava, passei quase quinze minutos até o bendito sinal, resolver trabalhar e me deixar passar. Comprei bananas, goiaba, barrarinhas, água e clarooo muito chocolate a ponto de querer deixar o resto de lado..rs mas minha consciência rangeu, deixando eu só a solitária goiaba para trás, pois me lembrei que tinha café da manha na pousada, arrastei mais um chocolate para a cestinha e me fui alegre e saltitante para o portão vermelho, entrei, ahh o mexicano não tava lá com seu livro.., fui direto para cozinha e encontrei a Bahiana, que não era bahiana coisa alguma mais falava um carioques pra lá de arrastado e engraçado. Guardei as águas na geladeira e ficamos papeando, chegou uma paulista e entrou na conversa também, um certo momento entrou na cozinha o Beto, pensa num carioca caricatural, moreno claro, cara de malandro bom, risinho esculachado, bom de conversa, rimos até das peripécias dele com as gringas..ah as gringas, vindo dele todas pareciam carentes, derretidas e sedentas de carinho dele..rs não sabia se ria ou esbugalhava os olhos, uma sueca pediu ele em casamento, a inglesa lhe pediu um filho e outra lhe pediu um romance tirado daqueles folhetins picantes só encontrados em banca, rs..que mel ele tem eu não sei, nem quero parar pra imaginar..rs mas o malandro é boa gente, quando não é uma maquina de realizações femininas claro..sic.

Comi um macarrão gostoso e quase acabei com o brownie do café da manha, daí me despedi e subi, mas antes de chegar ao meu destino conheci uma senhora, meio tristinha, precisando de um ouvido, o marido dela está internado no hospital ao lado, fez uma cirurgia complicada mais este recuperando bem, graças a deus. Não conheci o marido dela, mas toquei seu coração literalmente, pois em menos de um minuto de conversa lá foi ela pegar um frasquinho e colocando nas minhas mãos aquela veia do coração, esqueci o nome, orta, carótida, não sei bem, mas lá estava eu com um pedaço do coração do homem nas mãos! Passamos quase um século, para mim o foi, falando sobre calcificação das veias, entupimento, sacudindo o vidrinho para analisar não sei o que, cor, gordura, e não sei mais o que, aii alivio ao saber que ele conseguiu uma veia animal novinha! Não lhe perguntei de que bicho, soprando minha curiosidade mórbida para longe. Me despedi pela centésima vez e cheguei no meu quarto (dois passos do dela), ou melhor, meu e de mais nove. Agora vou tomar um banho e experimentar aquela caipirinha lá em baixo..

Um comentário:

Anônimo disse...

A parte do saquinho com a veia é hilária!

Muito bom

Abçs

Fabiano