domingo, 2 de junho de 2013

Dúvidas sobre a teoria da verdade...





O questionamento acerca do que vem a ser o conhecimento é algo que povoa a mente do ser humano desde as suas origens. E hoje parece que persiste a necessidade de conseguir uma resposta que alcance a profundidade que esta palavra traz em sua essência. 

Tentar desvelar a verdade do conhecimento é uma tarefa quase impossível, mas ainda sim, muitos pensadores incendiaram suas mentes e espíritos em busca de respostas ou no mínimo direcionamentos. Acredito que aqueles que não se debruçaram primeiramente sobre o conceito de verdade, pouco vislumbraram da indelével luz do conhecimento. Para Johannes Hessen, por exemplo, a essência do conhecimento está intrinsicamente ligada ao conceito de verdade. Hessen em suas exposições considera que só o conhecimento verdadeiro é conhecimento efetivo. “’Conhecimento não-verdadeiro’ não é propriamente conhecimento, mas erro e engano”.  

Tanto Hessen quantos outros filósofos de diferentes tempos e escolas se questionaram sobre a então, verdade do conhecimento. A verdade para muitos deles deveria consistir na concordância da “figura” com o “objeto”. Acredita-se assim que um conhecimento é verdadeiro na medida em que seu conteúdo concorda com o objeto intencionado. Segundo inúmeras correntes filosóficas o próprio objeto (exterior a mente), não pode ser nem verdadeiro nem falso, já que este de certo modo, está para além da verdade e da inverdade. Mas de antemão antes de mesmo nos debruçar sobre a “estreita” ligação entre a figura e o objeto urge refletirmos se é possível que as coisas do mundo exterior sejam conectadas e acessíveis à mente. E caso seja possível devemos considerar também qual grau de verossimilhança entre os dois. Não podemos deixar de pensar ainda se de fato conseguimos extrair alguma verdade das coisas exteriores ou o seu contrário, que nenhuma verdade possa transcender a mente do individuo. Inúmeros filósofos acreditam, e também o próprio Bertrand Russel na qual irei me ater mais a frente, que a verdade esteja calcada em nossas crenças, e com exceção dos Universais e dos conhecimentos a priori, esta “existe”, ou melhor, pode ser conceituada, assim como a falsidade, quando alimentada por nossos juízos e crenças. 

No capitulo 12, de sua obra “Os problemas da filosofia”, Russel propõe sua teoria acerca da verdade. Ao nos depararmos com a teoria verificamos que Russel defende que qualquer teoria da verdade tem de obedecer a três requisitos básicos: permitir a existência de crenças falsas; aceitar que sem agentes cognitivos que tenham crenças verdadeiras ou falsas não há verdade nem falsidade; e por fim aceitar que, apesar de uma crença ser verdadeira, ou falsa, esta e apenas uma a realidade extramental. Para o filósofo nada na qualidade interna da crença a faz ser verdadeira ou falsa. Creio que com isso podemos inferir também que nada de verdadeiro existe anterior a nossas crenças. Para o pensador as crenças se sustentam por elas mesmas, sem o postulado de uma entidade originária. Essa afirmação me deixou um tanto confusa, principalmente quando Bertrand discorre sobre os graus de auto-evidência.

Em sua lógica, as crenças têm diferentes graus evidência lógica, é de se pensar, portanto que estas teriam que ter uma certa qualidade intrínseca, por elas próprias. O que acabaria contrariando a afirmação que é por meio dos agentes cognitivos, e tão somente, que chegamos a alguma verdade.

Pelo que entendi acerca das exposições de Russel, é que fica evidente que se não há crença, não pode haver algo que seja falso, nem tão pouco verdadeiro, no sentido em que a verdade para ele é correlativa da falsidade. A lógica proposta por Russel conclui que se mundo fosse só composto por matéria, não teria lugar para a falsidade, já que os "factos" que ocorrem neste mundo, não têm propriedade de ser nem verdadeiro e muito menos falso. 

“O primeiro ponto acerca do qual é importante estar certo é a relação da verdade e falsidade com relação à mente. Se estivermos certos em dizer que as coisas que são verdadeiras e falsas são sempre juízos, então seria evidente que não pode existir nenhuma falsidade e verdade a menos que existam mentes para julgar”, afirma Russel.

A lógica dele é bastante válida, porém, quando ele considera que a natureza da verdade, só existe no âmbito de nossas crenças, confesso que tive um estranhamento. A verdade para o pensador faz parte somente das nossas crenças e das asserções, uma vez que para ele a verdade dos enunciados é uma noção derivada da verdade das crenças. Fiquei confusa, pois não entendi como a organização das crenças e a justificação destas, transformam-se em verdades ou no mínimo conhecimento indubitável.  Até entendo que estas podem se tornar conceitos postulados como verdadeiros, porém, ele parece retirar a essência da Verdade, na qual talvez seja um conhecimento universal, sem espaço para falsidades. O que acabaria por retirar a ligação direta desta com o juízo humano, pois este tende a se equivocar constantemente. O homem teria que usar então outro meio, que não o juízo para percebê-la, algo talvez advindo de uma razão inconsciente, quase como um saber tão certo e sutil, que nem ajuíza saber por que sabe. 

A obra de Russel é de suma importância para refletirmos acerca da teoria do conhecimento, mas até onde consegui acompanhar a exposição do pensador não encontrei resposta à pergunta que mais me instiga. O conhecimento legítimo não deveria ser aquele que possui necessidade lógica e validade universal? Nesse sentido, como ocorre esta passagem das crenças para a verdade? Se nesse caso não existe uma epistéme, mas uma dóxa, que ainda que justificada, seja apenas uma razão provável, e não uma razão logicamente necessária. A partir daí, fiquei completamente perdida, muito provavelmente por ignorância mesmo ou falta de tempo de ler sua obra com mais atenção. Mas a verdade, se é que posso usar este termo com vazão, é que não encontrei nesta obra de Russel, não até onde li, resposta acerca de como uma crença justificada em outra crença não carece de um certo fundamento.  

É estranho pensar que as verdades se encontram encasuladas e presas no interior de nossas crenças. Na verdade, nem sei se para ele é possível atingir a Verdade plena em sentido, ou se somente somos capazes de ajuizar pensamentos que cremos ser verdadeiros. A lógica dele nos leva a pensar que as verdades só existem, pois acreditamos através dos sentidos e das crenças que algo seja verdadeiro. Ao ler sobre sua teoria da verdade, fiquei com a ideia de que verdade é um conceito humano, que esvaziado de crença justificada, por si só não existe.

Enfim devo estar confundindo o conceito de conhecimento com verdade, pois se estes estão estreitamente ligados, como pode as crenças serem os juízes da verdade, quando percebo claramente que existem conhecimento indubitáveis que transcendem a minha mente? Se assim não for como explicar a verdade dos universais e os conhecimentos a priori? Estes têm uma anterioridade lógica e não são cronológicos, logo parecem ser completamente independentes dos conceitos e juízos que aferimos. 

E caso os universais e os conhecimentos a priori não sejam verdades que reinam acima dos juízos o que são então? Conhecimentos inquestionáveis são verdades ou não? Como entender que o conceito de verdadeiro de qualquer crença não dependa de algo exterior à própria crença? Como acreditar que um conjunto de crenças cria a verdade e não é esta que primeiramente as direcionam?  

Sei o quanto estou distante anos e estudos luz de abarcar o que seria um conhecimento ainda que ínfimo da verdade, do ponto de vista racional claro,  mas tenho uma leve impressão por tudo que li e reflito de que certas verdades já estejam contidas, de alguma maneira originária ou mesmo embrionária, nas intuições intelectuais do indivíduo.  Pois se assim não for como entender que não existe uma ou mais instituições verdadeiras já inseridas na mente para com isso termos a possibilidade de termos crenças?
Para Bertrand a consciência cognoscente não retira seus conteúdos da razão, mas da experiência. Ao ler Russel fiquei na dúvida se para ele somos uma verdadeira tábula rasa, uma folha em branco sobre a qual a experiência irá escrever e principalmente se todos os nossos conhecimentos, mesmo os mais universais e abstratos provenham simplesmente da experiência.

Até o ponto em que Russel descreve os conceitos como advindos da experiência, creio que entendi um pouco seu pensamento, porém, sou mais adapta a corrente que acredita que o conhecimento transcende os conceitos e a linguagem. A meu ver os conceitos são os tijolos, mas a maneira de erguer o edifício bem como toda a estrutura da construção já deve estar condicionada a uma função primeira e imanente da consciência. 

A filosofia de Descartes me é mais bem vinda, já que esta postula que, há em nós um certo número de conceitos inatos, conceitos que são, na verdade, os mais importantes, fundamentadores do conhecimento. Ressalta-se que estes não provêm da experiência, mas simplesmente constituem um patrimônio original de nossa razão. 

É importante destacar que se em Descartes esses conceitos estão mais ou menos prontos em nós, para outros pensadores, a exemplo de Leibniz, eles existem em nós apenas potencialmente. Segundo este filósofo, as ideias inatas existem apenas na medida em que nosso espírito nasce com o potencial de construir determinados conceitos independentemente da experiência. 

Mas voltando a Bertrand, mesmo que os conceitos advindos da experiência sejam sumamente importantes, é preciso inferir que existem também conhecimentos advindos de um discernimento imediato tão luminoso e inquestionável que não existe a possiblidade de aferirmos que ele seja verdadeiro ou falso. Ou seja, este tipo de conhecimento transcende os nossos juízos, o que nos leva a pensar que podem estar fora da cadeia mental do indivíduo. 

Sobre os Universais, Bertrand tenta de diversas formas provar que seu ser é meramente mental, porém não consegue, no máximo delineia que estes são objetos de pensamentos quando são conhecidos. Ao final do capítulo “o mundos dos universais”, o filósofo simplesmente relega aos universais a subsistência, já que segundo ele, é conveniente falar apenas da existência de coisas contidas no tempo. Ressalto que ele usa o termo subsistência não no sentido negativo da palavra, mas pontua que sendo os universais atemporais, não é possível conceitua-los como existentes, já que o mundo do ser é imutável, exato, lógico e eterno. O estranho é que isso deveria corresponder muito mais com o ideal de verdade do que uma “verdade” alicerçada pela crença e juízos constantemente falhos e maleáveis. Fiquei um tanto perdida quando Russell se refere aos aos Universais, como aqueles que “são”. Não encontrei explicação nenhuma do que consiste o ser das relações. Ele se limita apenas a dizer que não é nada mental. 

Mais uma vez li um trecho de Russel, e fiquei com sem entender o que ele quis dizer. “Diz-se que a marca da falsidade é não ter coesão no corpo das nossas crenças, e que a essência de uma verdade é fazer parte do sistema perfeitamente acabado que é A Verdade”. Realmente não sei o que ele quer dizer com sistema acabado da Verdade, não dentro da lógica dele. Quando ele coloca “A Verdade”, em caixa alta o que significa? Esta não ganha simbologia e vida própria, como se “pequenas” verdades caminhassem por meio de uma lógica definida em busca da verdade absoluta? Como pode existir uma verdade absoluta no pensamento de Russel? É possível que a crença, particular a cada individuo, chegue a uma verdade inquestionável?  Como isso ocorre se no que diz respeito aos dados do sentido, ganhamos de brinde uma privacidade obrigatória, já que há apenas uma pessoa relativamente à qual tais fatos podem ser auto-evidentes no nosso sentido.  Para Russel algum fato sobre qualquer coisa particular existente pode ser auto-evidente para mais de uma pessoa? Creio que não, pois assim a verdade teria que estar para além da mente pensante. O que para ele não ocorre. 

Por outro lado, sabemos que os fatos sobre os universais não tem esta privacidade. Logo fica a pergunta se podemos ou não conhecer a verdade por duas vias distintas? A dificuldade que encontro em Russell é o pouco espaço que ele dá ao conhecimento dos universais na teoria da verdade. 

Veja o que ele diz sobre as percepções a priori. “Parece-me desnecessário investigar se existem percepções desta espécie; certamente não estou preparado para negá-las dogmaticamente. Mas digo que, mesmo que existam, são desnecessárias como uma base para a física. As percepções de que não somos suficientemente conscientes para expressá-las em palavras são cientificamente negligenciáveis como dados; nossas premissas devem ser fatos que tenhamos observado explicitamente. A vaguidade, sem dúvida, está onipresente e é inevitável, mas é somente na proporção em que a superamos que a ciência exata se torna possível”. 

 Não sei..ele parece deixar de lado alguma coisa de importante que não sei definir. Para Johannes Hessen o caráter transcendente é adequado a todos os objetos de conhecimento. “Dividimos os objetos em reais e ideais. Chamamos de reais ou efetivos todos que nos são dados na experiência externa ou interna ou são inferidos a partir dela. Comparados a eles, os objetos ideais aparecem como irreais, meramente pensados. Mas apesar de sua “irrealidade”, defrontam-se com nosso pensamento como algo em si mesmo determinado e independente”.

Para Russel a verdade não vai mais além do que a inferência garante, o que soa estranho, pois com isso o juízo acaba tendo mais valor que o próprio objeto. Como é possível chegarmos a uma verdade plena quando se perdura infinitamente as relações de juízo? A verdade para Russel, mesmo quando percebida e justificada terá sempre a possibilidade de desfazer-se e torna-se falsa dependendo do juízo humano? Não entendo..já que isso a meu ver fere o que deveria ser a natureza de uma verdade,  não sei.. uma certa inquestionabilidade por natureza e principalmente um não espaço para juízos. 
O conhecimento de um sentir sem a linguagem conceitual me parece tão verdadeiro quanto os fatos experienciados. Aliás, tenho a impressão que outro tipo de conhecimento nada mais seja do que uma pálida busca de se unir a esta linhagem mais pura do conhecer. Um sentir tão lógico e intenso, que afasta qualquer existência de  juízo..

B.G

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