O questionamento acerca do que
vem a ser o conhecimento é algo que povoa a mente do ser humano desde as suas origens.
E hoje parece que persiste a necessidade de conseguir uma resposta que alcance
a profundidade que esta palavra traz em sua essência.
Tentar desvelar a verdade do
conhecimento é uma tarefa quase impossível, mas ainda sim, muitos pensadores incendiaram
suas mentes e espíritos em busca de respostas ou no mínimo direcionamentos. Acredito
que aqueles que não se debruçaram primeiramente sobre o conceito de verdade, pouco
vislumbraram da indelével luz do conhecimento. Para Johannes Hessen, por
exemplo, a essência do
conhecimento está intrinsicamente ligada ao conceito de verdade. Hessen em suas
exposições considera que só o conhecimento verdadeiro é conhecimento efetivo. “’Conhecimento
não-verdadeiro’ não é propriamente conhecimento, mas erro e engano”.
Tanto
Hessen quantos outros filósofos de diferentes tempos e escolas se questionaram sobre
a então, verdade do conhecimento. A verdade para muitos deles deveria consistir
na concordância da “figura” com o “objeto”. Acredita-se assim que um
conhecimento é verdadeiro na medida em que seu conteúdo concorda com o objeto
intencionado. Segundo inúmeras correntes filosóficas o próprio objeto (exterior
a mente), não pode ser nem verdadeiro nem falso, já que este de certo modo,
está para além da verdade e da inverdade. Mas de antemão antes de mesmo nos debruçar
sobre a “estreita” ligação entre a figura e o objeto urge refletirmos se é
possível que as coisas do mundo exterior sejam conectadas e acessíveis à mente.
E caso seja possível devemos considerar
também qual grau de verossimilhança entre os dois. Não podemos deixar de pensar
ainda se de fato conseguimos extrair alguma verdade das coisas exteriores ou o
seu contrário, que nenhuma verdade possa transcender a mente do individuo. Inúmeros
filósofos acreditam, e também o próprio Bertrand Russel na qual irei me ater
mais a frente, que a verdade esteja calcada em nossas crenças, e com exceção
dos Universais e dos conhecimentos a priori, esta “existe”, ou melhor, pode ser
conceituada, assim como a falsidade, quando alimentada por nossos juízos e
crenças.
No capitulo 12, de sua obra “Os
problemas da filosofia”, Russel propõe sua teoria acerca da verdade. Ao nos depararmos
com a teoria verificamos que Russel defende que qualquer
teoria da verdade tem de obedecer a três requisitos básicos: permitir a
existência de crenças falsas; aceitar que sem agentes cognitivos que tenham
crenças verdadeiras ou falsas não há verdade nem falsidade; e por fim aceitar
que, apesar de uma crença ser verdadeira, ou falsa, esta e apenas uma a
realidade extramental. Para o filósofo nada na qualidade interna da crença a
faz ser verdadeira ou falsa. Creio que com isso podemos inferir também que nada
de verdadeiro existe anterior a nossas crenças. Para o pensador as crenças se
sustentam por elas mesmas, sem o postulado de uma entidade originária. Essa
afirmação me deixou um tanto confusa, principalmente quando Bertrand discorre sobre
os graus de auto-evidência.
Em sua lógica, as crenças têm diferentes graus
evidência lógica, é de se pensar, portanto que estas teriam que ter uma certa
qualidade intrínseca, por elas próprias. O que acabaria contrariando a
afirmação que é por meio dos agentes cognitivos, e tão somente, que chegamos a
alguma verdade.
Pelo
que entendi acerca das exposições de Russel, é que fica evidente que se não há crença, não pode
haver algo que seja falso, nem tão pouco verdadeiro, no sentido em que a
verdade para ele é correlativa da falsidade. A lógica proposta por Russel conclui que se mundo fosse só composto por
matéria, não teria lugar para a falsidade, já que os "factos" que
ocorrem neste mundo, não têm propriedade de ser nem verdadeiro e muito menos
falso.
“O primeiro ponto acerca
do qual é importante estar certo é a relação da verdade e falsidade com relação
à mente. Se estivermos certos em dizer que as coisas que são verdadeiras e
falsas são sempre juízos, então seria evidente que não pode existir nenhuma falsidade
e verdade a menos que existam mentes para julgar”, afirma Russel.
A lógica dele é bastante válida, porém, quando ele considera
que a natureza da verdade, só existe no âmbito de nossas crenças, confesso que
tive um estranhamento. A verdade
para o pensador faz parte somente das nossas crenças e das asserções,
uma vez que para ele a verdade dos enunciados é uma noção derivada da verdade
das crenças. Fiquei confusa, pois não entendi como a organização das crenças e a justificação destas,
transformam-se em verdades ou no mínimo conhecimento indubitável. Até entendo que estas podem se tornar
conceitos postulados como verdadeiros, porém, ele parece retirar a essência da
Verdade, na qual talvez seja um conhecimento universal, sem espaço para
falsidades. O que acabaria por retirar a ligação direta desta com o juízo
humano, pois este tende a se equivocar constantemente. O homem teria que usar
então outro meio, que não o juízo para percebê-la, algo talvez advindo de uma
razão inconsciente, quase como um saber tão certo e sutil, que nem ajuíza saber
por que sabe.
A obra de Russel é de suma importância para refletirmos acerca da teoria
do conhecimento, mas até onde consegui acompanhar a exposição do pensador não
encontrei resposta à pergunta que mais me instiga. O conhecimento legítimo não
deveria ser aquele que possui
necessidade lógica e validade universal? Nesse sentido, como ocorre esta
passagem das crenças para a verdade? Se nesse caso não existe uma epistéme, mas
uma dóxa, que ainda que justificada, seja apenas uma razão provável, e não uma
razão logicamente necessária. A partir daí, fiquei completamente perdida, muito
provavelmente por ignorância mesmo ou falta de tempo de ler sua obra com mais
atenção. Mas a verdade, se é que posso usar este termo com vazão, é que não
encontrei nesta obra de Russel, não até onde li, resposta acerca de como uma crença
justificada em outra crença não carece de um certo fundamento.
É estranho pensar que as verdades
se encontram encasuladas e presas no interior de nossas crenças. Na verdade,
nem sei se para ele é possível atingir a Verdade plena em sentido, ou se
somente somos capazes de ajuizar pensamentos que cremos ser verdadeiros. A
lógica dele nos leva a pensar que as verdades só existem, pois acreditamos
através dos sentidos e das crenças que algo seja verdadeiro. Ao ler sobre sua
teoria da verdade, fiquei com a ideia de que verdade é um conceito humano, que
esvaziado de crença justificada, por si só não existe.
Enfim devo estar
confundindo o conceito de conhecimento com verdade, pois se estes estão
estreitamente ligados, como pode as crenças serem os juízes da verdade, quando percebo
claramente que existem conhecimento indubitáveis que transcendem a minha mente?
Se assim não for como explicar a verdade dos universais e os conhecimentos a
priori? Estes têm uma anterioridade lógica e não são cronológicos, logo parecem
ser completamente independentes dos conceitos e juízos que aferimos.
E caso os universais e os
conhecimentos a priori não sejam verdades que reinam acima dos juízos o que são
então? Conhecimentos inquestionáveis são verdades ou não? Como entender que o
conceito de verdadeiro
de qualquer crença não dependa de algo exterior à própria crença? Como
acreditar que um conjunto de crenças cria a verdade e não é esta que
primeiramente as direcionam?
Sei o quanto estou distante
anos e estudos luz de abarcar o que seria um conhecimento ainda que ínfimo da verdade,
do ponto de vista racional claro, mas tenho uma leve impressão por
tudo que li e reflito de que certas verdades já estejam contidas, de alguma
maneira originária ou mesmo embrionária, nas intuições intelectuais do
indivíduo. Pois se assim
não for como entender que não existe uma ou mais instituições verdadeiras já
inseridas na mente para com isso termos a possibilidade de termos crenças?
Para Bertrand a consciência cognoscente não retira
seus conteúdos da razão, mas da experiência. Ao ler Russel fiquei na dúvida se
para ele somos uma verdadeira tábula rasa, uma folha em branco sobre a qual a
experiência irá escrever e principalmente se todos os nossos conhecimentos,
mesmo os mais universais e abstratos provenham simplesmente da experiência.
Até
o ponto em que Russel descreve os conceitos como advindos da experiência, creio
que entendi um pouco seu pensamento, porém, sou mais adapta a corrente que
acredita que o conhecimento transcende os conceitos e a linguagem. A meu ver os
conceitos são os tijolos, mas a maneira de erguer o edifício bem como toda a
estrutura da construção já deve estar condicionada a uma função primeira e imanente
da consciência.
A
filosofia de Descartes me é mais bem vinda, já que esta postula que, há em nós
um certo número de conceitos inatos, conceitos que são, na verdade, os mais
importantes, fundamentadores do conhecimento. Ressalta-se que estes não provêm
da experiência, mas simplesmente constituem um patrimônio original de nossa
razão.
É
importante destacar que se em Descartes esses conceitos estão mais ou menos
prontos em nós, para outros pensadores, a exemplo de Leibniz, eles existem em
nós apenas potencialmente. Segundo este filósofo, as ideias inatas existem
apenas na medida em que nosso espírito nasce com o potencial de construir
determinados conceitos independentemente da experiência.
Mas
voltando a Bertrand, mesmo que os conceitos advindos da experiência sejam sumamente
importantes, é preciso inferir que existem também conhecimentos advindos de um
discernimento imediato tão luminoso e inquestionável que não existe a
possiblidade de aferirmos que ele seja verdadeiro ou falso. Ou seja, este tipo
de conhecimento transcende os nossos juízos, o que nos leva a pensar que podem
estar fora da cadeia mental do indivíduo.
Sobre os Universais,
Bertrand tenta de diversas formas provar que seu ser é meramente mental, porém
não consegue, no máximo delineia que estes são objetos de pensamentos quando
são conhecidos. Ao final do capítulo “o mundos dos universais”, o filósofo
simplesmente relega aos universais a subsistência, já que segundo ele, é conveniente
falar apenas da existência de coisas contidas no tempo. Ressalto que ele usa o
termo subsistência não no sentido negativo da palavra, mas pontua que sendo os
universais atemporais, não é possível conceitua-los como existentes, já que o
mundo do ser é imutável, exato, lógico e eterno. O estranho é que isso deveria corresponder
muito mais com o ideal de verdade do que uma “verdade” alicerçada pela crença e
juízos constantemente falhos e maleáveis. Fiquei um tanto perdida quando
Russell se refere aos aos Universais, como aqueles que “são”. Não encontrei
explicação nenhuma do que consiste o ser das relações. Ele se limita apenas a
dizer que não é nada mental.
Mais uma vez li um trecho
de Russel, e fiquei com sem entender o que ele quis dizer. “Diz-se que a marca da falsidade é não ter coesão no
corpo das nossas crenças, e que a essência de uma verdade é fazer parte do
sistema perfeitamente acabado que é A Verdade”. Realmente não sei o que ele
quer dizer com sistema acabado da Verdade, não dentro da lógica dele. Quando
ele coloca “A Verdade”, em caixa alta o que significa? Esta não ganha
simbologia e vida própria, como se “pequenas” verdades caminhassem por meio de
uma lógica definida em busca da verdade absoluta? Como pode existir uma verdade
absoluta no pensamento de Russel? É possível que a crença, particular a cada
individuo, chegue a uma verdade inquestionável?
Como isso ocorre se no que diz respeito aos dados do sentido, ganhamos
de brinde uma privacidade obrigatória, já que há apenas uma pessoa relativamente
à qual tais fatos podem ser auto-evidentes no nosso sentido. Para Russel algum fato sobre qualquer coisa
particular existente pode ser auto-evidente para mais de uma pessoa? Creio que
não, pois assim a verdade teria que estar para além da mente pensante. O que
para ele não ocorre.
Por outro lado, sabemos que os fatos sobre os universais não tem esta
privacidade. Logo fica a pergunta se podemos ou não conhecer a verdade por duas
vias distintas? A dificuldade que encontro em Russell é o pouco espaço que ele
dá ao conhecimento dos universais na teoria da verdade.
Veja o que ele diz sobre
as percepções a priori. “Parece-me desnecessário investigar se existem percepções
desta espécie; certamente não estou preparado para negá-las dogmaticamente. Mas
digo que, mesmo que existam, são desnecessárias como uma base para a física. As
percepções de que não somos suficientemente conscientes para expressá-las em
palavras são cientificamente negligenciáveis como dados; nossas premissas devem
ser fatos que tenhamos observado explicitamente. A vaguidade, sem dúvida, está
onipresente e é inevitável, mas é somente na proporção em que a superamos que a
ciência exata se torna possível”.
Não
sei..ele parece deixar de lado alguma coisa de importante que não sei definir.
Para Johannes Hessen o caráter transcendente é adequado a todos os objetos de
conhecimento. “Dividimos os objetos em reais e ideais. Chamamos de reais ou
efetivos todos que nos são dados na experiência externa ou interna ou são
inferidos a partir dela. Comparados a eles, os objetos ideais aparecem como
irreais, meramente pensados. Mas apesar de sua “irrealidade”, defrontam-se com
nosso pensamento como algo em si mesmo determinado e independente”.
Para Russel a verdade não vai mais além do que a inferência
garante, o que soa estranho, pois com isso o juízo acaba tendo mais valor que o
próprio objeto. Como é possível chegarmos a uma verdade plena quando se perdura
infinitamente as relações de juízo? A verdade para Russel, mesmo quando
percebida e justificada terá sempre a possibilidade de desfazer-se e torna-se
falsa dependendo do juízo humano? Não entendo..já que isso a meu ver fere o que
deveria ser a natureza de uma verdade,
não sei.. uma certa inquestionabilidade por natureza e principalmente um
não espaço para juízos.
O conhecimento de um
sentir sem a linguagem conceitual me parece tão verdadeiro quanto os fatos
experienciados. Aliás, tenho a impressão que outro tipo de conhecimento nada
mais seja do que uma pálida busca de se unir a esta linhagem mais pura do
conhecer. Um sentir tão lógico e intenso, que afasta qualquer existência
de juízo..
B.G
B.G
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